Era uma vez um tempo de trevas econômicas tão realista que os consumidores, aterrorizados com os preços, mal esperavam o dia raiar para correr ao supermercado. Após o almoço, era tarde demais: a implacável máquina de remarcar as etiquetas, mais uma vez, já havia feito um estrago generoso no orçamento das famílias.
Entre 1980 e início dos anos 1990, enquanto o dragão da inflação escapava de todos os domadores econômicos, eram os empregados formais e informais que alimentavam a fera com o salário corrigido inutilmente por sucessivos gatilhos.
Em julho de 1994, porém, o monstro com apetite para juros altos e preços exorbitantes recolhia-se para um longo período de hibernação. Era o início do Real, um plano de estabilização econômica que chega aos 28 anos com muitos episódios de sucesso. Mas eis que nesta data memorável, o dragão, novamente desperto, lança seu hálito de fogo sobre o poder de compra do brasileiro. Haverá um final feliz para esta história?
A entrada em circulação do Real, em 1.º de julho de 1994, mudaria o panorama da inflação. Às vésperas do lançamento da nova moeda, o acumulado inflacionário de doze meses chegava a 4.922%.
O Plano Real foi implantado por etapas. A primeira fase dedicou-se ao ajuste fiscal. Na segunda, a Unidade Real de Valor (URV) passou a valer como “moeda escritural”. Foi somente na terceira etapa que o Real passou a circular como moeda.
Em 1995, com o Plano Real, o índice inflacionário anual atingia 22%. Desta vez, os domadores econômicos conseguiram, depois de tantos esforços, embalar o sono do dragão.
O longo cochilo durou até 2020. A fome da fera desperta pôde ser medida pelo IPCA. O índice que aponta a variação do custo de vida médio de famílias brasileiras com renda mensal entre 1 e 40 salários mínimos, fechou em alta de 4,52%. Em abril de 2021, o Painel de Indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicou uma inflação de 0,31%, com 6,76% no acumulado de 12 meses. Em agosto, a mordida foi ainda mais vigorosa: 0,89%, a maior em 19 anos. O acumulado do ano chegou a 9,30%. Além de faminto, o dragão agora galopava.
Mas, o que é possível vislumbrar até o final de 2022? No último dia de junho, o Banco Central admitiu oficialmente o estouro da meta de inflação para este ano. À revelia das projeções, na prática, significa que o brasileiro vai continuar convivendo com a alta de preços que o salário não acompanha.
Embora não se espere chegar ao conto de terror econômico que antecedeu o Plano Real, a convivência com o dragão da inflação nos tempos que virão é inevitável.
Mesmo sendo impossível vislumbrar um final feliz para este enredo, pelo menos até o final do ano, lápis, papel e calculadora podem ajudar o consumidor no ajuste necessário do orçamento doméstico. E quem sabe se deste planejamento não surja o esboço de uma história pessoal bem-sucedida que inspire muitos brasileiros a enfrentar os tempos difíceis?
*Eleutério Benin é diretor-executivo da Sicredi Iguaçu PR/SC/SP, cooperativa que atua na região de Campinas (SP), no interior do Paraná e de Santa Catarina.