Guilherme Marques Moura*
A privatização de empresas estatais é uma discussão recorrente no noticiário brasileiro, principalmente a partir da década de 1990. Especificamente no caso da Petrobras, esse embate se mantém acalorado, principalmente quando os resultados financeiros são ruins ou quando os preços aumentam na bomba. Em outros momentos, o debate parece ser uma estratégia de “cortina de fumaça” utilizada para desviar a atenção do público de outras questões. Historicamente, a petroleira contribuiu para o desenvolvimento do país, tornando-se estratégica. Tal que, a melhor alternativa pode não ser necessariamente a privatização; outras possibilidades podem passar pela abertura do mercado e mudança na tributação de combustíveis.
Na década de 1980, diversos países em desenvolvimento, com destaque aos latino-americanos, enfrentaram muitas turbulências econômicas e políticas. Dentro das alternativas propostas para o ajustamento desses países problemáticos, o debate à época destacou o papel da privatização de empresas públicas. A partir desse “consenso”, o Brasil, assim como várias nações, transmitiram o controle de diversas estatais para a iniciativa privada. Na prática, não existe consenso na literatura sobre o custo-benefício de diversas dessas privatizações. Especificamente, a Petrobras, dada a sua importância econômica e social, passou por um processo de venda parcial, com o controle da maioria das ações sendo mantido nas mãos do governo. É justamente nessa manutenção do governo como gestor da empresa que as críticas se concentram.
Do ponto de vista administrativo, os interesses do governo nem sempre combinam com os interesses econômicos da petroleira. Em alguns momentos, o apoio popular gerado por uma gasolina mais barata se mostra mais relevante que a lucratividade. Exemplos recentes corroboram essa tese. Apesar de socialmente ótimo, a intervenção na empresa como estratégia política de controle da inflação, ao afetar sua geração de caixa, prejudica investimentos futuros e sua capacidade de financiamento no curto prazo. Outrossim, a manutenção de preços artificialmente baixos no mercado doméstico mantém a demanda por combustíveis elevada, o que inibe o crescimento de mercados de energias renováveis e faz prosseguir a nossa dependência em combustíveis fósseis.
Alternativamente, a produção de petróleo estatizada pode ser analisada como uma política estratégica. Com a produção realizada internamente, o país é menos dependente do comércio internacional, sendo menos afetado por choques de oferta, como o conflito entre Rússia e Ucrânia. Além disso, a tecnologia e os empregos gerados no processo produtivo beneficiam o país. Nesse sentido, a solução pode não residir em uma escolha entre tudo ou nada. Talvez, essa discussão não deveria focar em “privatização x estatização”, mas na abertura de mercado.
Apesar do desenvolvimento recente, a cadeia produtiva de combustíveis brasileira está concentrada em uma única empresa estatal. Portanto, a abertura do mercado a novas empresas poderia elevar a concorrência, permitindo a importação de combustíveis por menores preços e/ou o refino por um menor custo. Por meio da concorrência, a Petrobras seria conduzida pelo mercado a otimizar a sua produção e gestão, caso contrário não sobreviveria. Nessa situação, o país poderia manter sua produção interna, se protegendo de eventos externos, mas a oferta do combustível poderia se elevar, reduzindo os preços.
Outra possibilidade a ser considerada pelos governantes seria a mudança do sistema tributário, talvez não só sobre os combustíveis. Somado ao custo do etanol, cada litro de gasolina era vendido por R$ 3,86 pela Petrobras em 15 de maio deste ano. A esse valor são acrescidos R$ 2,74 de tributos, como ICMS, PIS e COFINS. Sobre esse preço final, revendedores e postos estabelecem suas margens de lucro. Portanto, uma alternativa à intervenção pública na estatal seria a redução da carga tributária sobre o produto. Dessa forma, a empresa poderia operar mantendo os seus lucros, e o preço seria menor para os consumidores. O custo recairia sobre os governos, principalmente os estaduais. Entretanto, a inflação recente inflou a arrecadação pública, e parte desse crescimento na arrecadação poderia ser utilizada para mitigar o aumento no custo do petróleo.
Anos eleitorais tradicionalmente reacendem antigos debates. No caso da Petrobras, essa parece ser uma história sem fim, ou até um episódio de uma série que nunca acaba. A pauta da discussão tende a se concentrar nos extremos, mas dificilmente para um dos lados. Outras alternativas deveriam ser levadas em consideração de forma séria, e, principalmente, alguma ação deveria ser realizada. Na prática, as únicas mudanças parecem ser na presidência da empresa, que passa por uma frenética “dança das cadeiras”.
*Guilherme Marques Moura, doutor em Desenvolvimento Econômico, é professor da Escola de Negócios da Universidade Positivo (UP).