Eliziane Gorniak*
No ano que completa 32 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é considerado um marco importante para o futuro de crianças e adolescentes brasileiros, pois foi a partir daí que eles passaram a ser entendidos como pessoas em desenvolvimento e dotadas de direitos e deveres. As legislações anteriores voltadas às crianças tinham um viés completamente distinto ao que preconiza o ECA, pois o cunho era mais assistencial, para crianças em situação de vulnerabilidade, ou punitivo, para aquelas em conflito com a lei.
Uma das concepções que alicerçam o estatuto é a de que crianças e adolescentes devem merecer proteção integral e prioridade absoluta da sociedade e das políticas públicas, possibilitando a efetiva condição ao seu desenvolvimento.
Nesse contexto, as escolas também tiveram que passar por um intenso processo de adaptação e incorporação de novas responsabilidades, a fim de garantir tanto a formação acadêmica dos estudantes quanto a atuação na garantia dos seus direitos e deveres . Bons exemplos podem ser encontrados ao redor do país, como a revisão dos regimentos escolares e dos projetos políticos pedagógicos mais alinhados à concepção do estatuto, abertura das escolas nos finais de semana e oferta de escolas de pais, convidando as famílias para participarem mais do dia a dia das escolas ou para dialogarem sobre temas relevantes.
Passadas três décadas de aprovação do estatuto, as escolas seguem tendo um papel relevante a desempenhar. Porém, infelizmente, não é todo município que tem profissionais plenamente preparados ou que recebem o apoio necessário para conseguirem cumprir o que se espera deles. Vale destacar que, em algumas regiões do país, as escolas e as unidades de saúde são os únicos equipamentos públicos ao alcance da população. Nem todas as redes de ensino particular ou pública, fazem investimentos constantes em formação dos profissionais e da comunidade escolar sobre temas da atualidade e que afetam diretamente a atuação dos docentes e o desempenho dos estudantes. Ou ainda, nem sempre conseguem contar com uma rede de proteção efetiva.
O ambiente escolar é vivo e muito dinâmico, sofrendo reflexos constantes dos desafios contemporâneos da sociedade. Muitas das situações que ocorrem fora da escola e a afetam diretamente, dependendo da situação, sozinha, ela não terá condições de solucioná-los. Exemplo disso é o número de adolescentes em situação de depressão. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), um em cada cinco adolescentes sofre com problemas de saúde mental. Podemos citar ainda o bullying, que pode ser potencializado nas redes sociais, ou ainda, casos de separação dos pais e processos litigiosos de guarda; de violência física ou sexual; de trabalho infantil; uso de drogas; abandono da escola e até mesmo suicídio. Todas essas situações são exemplos do que pode afetar a dinâmica escolar e o rendimento dos estudantes, obrigando a escola a contar com o apoio das famílias ou da rede de proteção.
Em 2006, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente aprovou uma resolução que instituiu o Sistema de Garantia dos Direitos, um importante mecanismo para assegurar e fortalecer a implementação do ECA, a partir da integração e da articulação entre o Estado, as famílias e a sociedade civil. O sistema deve contar com diversos profissionais e organizações, como: juízes, promotores, conselhos tutelares, escolas, profissionais que atuam nos centros de referência da assistência social (CRAS), agentes de saúde, entre outros.
Cada vez fica mais claro, a garantia dos direitos e dos deveres preconizados pelo estatuto dependerá do diálogo, da articulação e da cooperação de profissionais e de organizações. Na prática, isso torna o processo mais potente, mas, ainda sim, mais complexo.
Por isso, das escolas e dos seus profissionais vai se esperar cada vez mais: mais qualidade, conhecimento e profundidade para que estejam preparados para lidar com os desafios da contemporaneidade, fortalecendo a concepção de direitos e deveres das crianças e adolescentes, além de resguardá-los de vulnerabilidades. Somente assim, os estudantes terão condição de utilizar o espaço escolar e as relações com a comunidade que os cercam como oportunidades para o seu máximo desenvolvimento físico, emocional, intelectual e cultural.
*Eliziane Gorniak é mestre em Sustentabilidade e Gestão Ambiental, com MBA em Liderança e Gestão Pública e diretora do Instituto Positivo.