Ana Lizete Farias*
Já passei por muitas fases em relação ao Big Brother Brasil: aquelas que senti curiosidade pelas pessoas da casa, aquelas em que torci por alguém em especial, jogos específicos que atraiam ou faziam rir, shows, etc. Essa relação, com o passar dos anos foi sendo substituída pelo desinteresse total, fosse por que comecei a achar que era sempre o mesmo do mesmo, fosse pelo horror que senti diante de determinadas situações.
Mas, para além do meu julgamento pessoal, é preciso reconhecer que, a cada ano que passa, o famoso reality show vem se superando para manter viva ( e aumentar!) a sua audiência
Há um grau de sofisticação elevado em relação às própria estratégias de engajamento para esse espetáculo, que vai desde o ambiente da casa ( a Folha publicou recentemente que a casa é para expor os jogadores à loucura e ao sexo), os jogos, as escolhas dos participantes.
Tudo pensado para compartilhar nas redes e….viralizar!
Essa estratégia ainda inclui o longo confinamento, a falta de privacidade, conflitos, vigilância constante, ameaça de eliminação satisfação de desejos sádicos, prática das tortura físicas e psíquicas .
Se na sua criação em 2002, ele se pautava pela espontaneidade dos participantes , ou até mesmo pela ingenuidade em exporem seus conflitos, vulnerabilidades mais intimas, hoje os participantes tentam apreender as regras de maneira prévia, para melhor se saírem bem
Como nos comprazemos em assistir o desmoronamento da fragilidade emocional de muitos dos integrantes e, não raro, as suas dignidades? Não somos a sociedade em busca da felicidade?
Na escuta clínica de um psicanalista não é raro ouvirmos sobre a impotência em lidarmos com os fracassos amorosos, a falta de dinheiro, desafios profissionais, a falta de tempo para família, e até o modo como lidamos com a solidão.
Essa escuta no consultório nos permite confirmar o que sabemos da teoria aprendida com Freud, ou seja , o fato de que, de alguma maneira, tudo o que os integrantes vivem têm correspondência efetiva na própria ordem da vida social.
Por alguns instantes, os espectadores, ludibriados pelo brilho do show, deixam de lado as vozes internas de cobranças cruéis, que nos fazem nos ver como fracassos, desprezíveis, indignos de amor, culpados e merecedores de punição. Na linguagem psicanalítica, essa “voz” Freud chamou de SUPEREU, o organizador do nosso psiquismo.
Por outro lado, os Brothers são pessoas como qualquer um de nós, ou seja, pessoas comuns lutando por seu lugar ao sol e, estar no BBB pode ser visto como um certo sucesso. Aqueles que assistem, de alguma maneira, se sentem “espelhados”, e trazem para dentro do nosso eu traços que são do outro: “ Se eles podem, eu também posso!”
Mas cabe se questionar aí se, diante percepção da atuação dos Brothers, da subjugação dos dominados e do tédio, quando nos deparamos com artificialidade e a manipulação, ainda será possível se ter uma outra vida?
Ainda que isso nos pareça, por muitas vezes, praticamente impossível dar um sentido as nossas vidas, além daquilo que os nossos olhos veem, o sentido da vida é a própria vida concreta, essa que vivemos.
Viver é o que em psicanálise chamamos do encontro com o real: uma coisa que nos atropela, é inesperada, não há palavras que deem conta de explicar.
Viver é isso… estar todo tempo sob a possibilidade de se deparar com os trancos desse Real. E o que fazer quando nos damos conta disso? Eu gosto de pensar que Lou-Andreas Salomão, psicanalista, da época de Freud, nos diria: “(…) não tente adequar sua vida a modelos, nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém. Acredite, a vida lhe dará poucos presentes. Se você quer uma vida, aprenda a roubá-la! Ouse, ouse tudo. Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer. “
Ana Lizete Farias, psicanalista e Dra em Meio Ambiente e Desenvolvimento .
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