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Primeira mulher a ter bolsa para estudar na Europa tem acervo catalogado em projeto

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primeira mulher a ter bolsa para estudar na Europa tem acervo catalogado em projeto
Bianca Bianchi, radicada em Curitiba, nasceu em 1904 e foi a primeira mulher a conseguir bolsa do governo do Paraná para fazer seus estudos em música na Itália. Sua organização ao longo da vida rende hoje um material de pesquisa de valor inestimável
Um acervo de valor inestimável para o mundo das artes está à disposição aos amantes da música clássica e pesquisadores da área. O projeto “Inventário e catálogo digital: O Resgate de uma História” organizou documentos oficiais, partituras, fotografias, programas de concertos, cartas e objetos pessoais que pertenceram a Bianca Bianchi (1904-2002). A violinista e professora paulistana, radicada em Curitiba, é conhecida por ter sido uma pessoa à frente de seu tempo. Ela foi a primeira mulher a receber uma bolsa de estudos do governo paranaense para se aprimorar como artista e pesquisadora na Itália.

O projeto que possibilitou a organização desse acervo foi aprovado pela Fundação Municipal de Curitiba, por meio do Edital de Mecenato Subsidiado, e tem incentivo do EBANX. A iniciativa conta com o apoio da Fundação Bianca Bianchi, criada a pedido da própria artista em seu testamento (ela faleceu em 2002). Bianca sempre foi uma pessoa disciplinada ao longo de sua vida e, por conta disso, agora foi possível categorizar e digitalizar uma série de elementos que recontam sua trajetória. Além dos documentos relacionados diretamente à música e os seus estudos, há uma vasta coleção de cartões postais, testemunhando uma das particularidades da artista: seu gosto pelas viagens.

A Fundação, que possui sua sede localizada no centro histórico de Curitiba, recebeu os móveis e objetos da artista, incluindo violinos e obras de arte. É este material, somado aos programas do Trio Paranaense, as fotos da artista de sua vida e de artistas que conheceu (muitas autografadas) que compõem a riqueza do acervo de Bianca Bianchi. Para o projeto em questão, foram contemplados mais de 3 mil documentos que foram digitalizados e estarão disponíveis por meio da plataforma arquive.org. Também faz parte do projeto a construção de um site, que disponibilizará todo conteúdo para o público em geral.

Roseli Boschilia, doutora e mestre em História do Brasil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), descreve que Bianca era uma pessoa extremamente organizada e preocupada em manter o controle dos seus bens e de suas finanças. Ao mesmo tempo, é intrigante que sua trajetória guarde alguns enigmas. A começar pela sua idade, já que a documentação oficial aponta o ano de nascimento como sendo 1907, porém, ela dizia ter nascido em 1904 (ano que, ao que tudo indica, é o correto).

Outro aspecto que intriga quem se debruça sobre sua biografia é o fato de ela dizer categoricamente em vida que nunca tinha sido casada – embora apareçam evidências de relacionamentos afetivos e até mesmo um casamento, que ela nunca mencionou. “Nas cinco autobiografias escritas em diferentes momentos da sua vida, ela sempre se coloca como uma mulher, que embora tenha sido muito cortejada, preferiu abrir mão do casamento e dos filhos, para se dedicar exclusivamente à profissão”, compartilha Roseli.

Paulistana radicada em Curitiba

Bianca nasceu em São Paulo, em 1904, como filha de imigrantes italianos. Em 1910, os pais se mudaram para o Paraná. Primeiro, para Ponta Grossa, nos Campos Gerais. Inclusive, foi em terras pontagrossenses que ela começou seus estudos, chegou até mesmo a fazer a Primeira Comunhão no município. Foi apenas em 1914, atraída pela farta oferta de trabalho graças ao fortalecimento da economia com a erva-mate, que a família resolveu se radicar em Curitiba.

A relação com o violino começou cedo, mas se intensificou depois que perdeu sua irmã precocemente, vítima de uma apendicite aguda. Nessa fase, se apegou ao instrumento como uma forma de amenizar o sofrimento da mãe e homenagear a memória da irmã. Chama a atenção o fato de que mesmo tendo crescido em uma sociedade patriarcal, típica do início do século XX, após a conclusão do curso ginasial, Bianca, sempre incentivada pela mãe, decidiu seguir a carreira profissional como musicista.

Estudou no Conservatório de Música do Paraná e viveu intensamente a vida social das rodas culturais da alta sociedade curitibana. Mesmo com a Primeira Guerra Mundial em curso e com a pandemia da gripe espanhola, a pesquisadora Roseli Boschilia relata que Biancha participava de todos os concertos e eventos teatrais e exposições que ocorriam em Curitiba, sempre acompanhado do seu violino. “Por essa razão, ela destaca em uma de suas entrevistas, que era considerada um verdadeiro ‘arroz de festa’”, comenta.

Bianca tinha o sonho de estudar na Europa. Nenhuma mulher, até então, tinha conseguido uma bolsa de estudos, somente homens tinham recebido financiamento do governo estadual para ir ao Velho Mundo. Mesmo assim, a violinista se candidatou a uma vaga e conseguiu. Pelos costumes da época, para poder estudar, ela teve que viajar junto com a mãe durante todo o tempo em que ficou fora do Brasil. As duas viveram no período dos estudos nas cidades de Roma, Lucca e Belgrano.

Quando voltou da Itália, em 1931, passou a se dedicar ao ensino de violino a alunos e a um projeto de formação de público para a música clássica – assim como tinha visto acontecer na Europa. “Uma das estratégias para atingir este objetivo, segundo ela, era a formação de um grupo de “Música de Câmara”, que consiste na formação de um grupo instrumental limitado a poucos executantes”, compartilha a Roseli.

Para a concretização deste projeto, Bianca contou com a colaboração de duas amigas, a violoncelista Charlotte Frank e a pianista Renée Devrainne Frank. As três integrantes decidiram, poucos meses após o retorno de Bianca a Curitiba, formar o Trio Paranaense, que se manteve em atividade até 1968. Nesse contexto, Bianca usou toda sua veia empreendedora ao longo da trajetória artística para criar condições de viabilidade econômica para as apresentações.

Desde que retornou da Itália, até a sua aposentadoria, em 1972, ela procurou conciliar as atividades artísticas com as funções de docência, além de continuar atuando em vários movimentos de mobilização da sociedade local que tinham como principal objetivo fomentar a criação de sociedades promotoras de atividades culturais.

Depois de sua aposentadoria, passou a lecionar violino por meio do Método Suzuki, junto à Associação da Educação do Talento Musical do Paraná, com quem permaneceu até o final de sua vida.

Concerto de lançamento

Além da organização do acervo, uma das ações frutos do projeto “Inventário e catálogo digital: O Resgate de uma História” é um concerto de lançamento. O evento acontece no dia 09 de abril, às 18 horas, no Teatro Regina Vogue (Av. Sete de Setembro, 2775 – Piso 2). O espetáculo tem o nome “Duo Divas” e terá no palco Carolina Kliemann (violino) e Maria Luisa Cameron (violoncelo). No mesmo dia, ocorre também um bate-papo com a historiadora Roseli Boschilha e com o violinista, e proponente do projeto, Frederico Paegle.

Serviço:
Fundação Bianca Bianchi

Endereço: Rua Almirante Barroso, 14 – São Francisco | Curitiba-PR
Instagram: @fundacaobiancabianchi

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