Claudia Saad*
Bem se expressa o pedagogo Rubem Alves quando diz que o saber sem prazer รฉ como a comida sem sabor. Vem dele a inspiraรงรฃo desta metรกfora que envolve escritores e cozinheiros: โsรณ aprende quem tem fomeโ. Por certo, com pouca motivaรงรฃo ninguรฉm comeria uma refeiรงรฃo que nรฃo lhe desperta o paladar. Arrisco dizer que, da mesma forma, ninguรฉm ficaria entusiasmado em provar algo que nรฃo lhe estimula outros sentidos, como o olfato ou a visรฃo – talvez daรญ venha, inclusive, a expressรฃo โcomer com os olhosโ.
Curiosa pelas novidades da cozinha, li dias atrรกs sobre a neurogastronomia e um estudo sobre como o cรฉrebro estabelece o gosto, apontando, inclusive, que fatores sociais tรชm uma forte e importante influรชncia nessa percepรงรฃo. Mรกgico, nรฃo รฉ? Para mim, enquanto educadora, a descoberta soou como um convite a refletir sobre quanto da relaรงรฃo โsaber e saborโ estรก presente no ato de aprender. Afinal, aprendemos o tempo todo, mas aprendemos mais e de forma mais significativa e duradoura quanto mais estivermos encantados e provocados a experimentar e saborear novos conhecimentos.
Quem teria animaรงรฃo em frequentar a escola se nรฃo espera ter experiรชncias agradรกveis com o processo de ensino e aprendizagem? Com certeza, para que tenhamos motivaรงรฃo e vontade de manter essa rotina, precisamos de muitos estรญmulos. Essa energia precisa vir das mais diversas maneiras, por meio de nossos olhos, ouvidos, mรฃos, nariz, paladar.
Para que frequentar a escola seja prazeroso para pais, crianรงas e educadores; รฉ necessรกrio haver preparaรงรฃo de todas as partes. Assim, para os professores, planejar as aulas seria o ato de aguรงar o paladar de nossos alunos. Um envolvimento mรบtuo, que inclui responsabilidade e criatividade. Uma boa dose de participaรงรฃo coletiva que acrescentarรก um tempero especial ao ensino, despertando o sabor do aprendizado ao longo de cada semestre. Comeรงar bem um prato nรฃo รฉ garantia de sucesso, mas jรก nos dรก uma boa perspectiva de que teremos algo delicioso para provar no final.
Pensando assim, o cuidadoso planejamento desse retorno requer preparaรงรฃo, cuidado e muito amor. Precisamos nos dedicar ร escolha dos melhores ingredientes, os mais coloridos e mais saborosos, assim como fazem os grandes cozinheiros de todo o mundo. A escola mantรฉm esse processo ao longo do ano letivo. Ela nunca para de repensar seus mรฉtodos e abordagens.
A equipe de gestores precisa se mobilizar a fim de receber seus professores e organizar as receitas de aula. Criar um ambiente acolhedor e prazeroso, pensar no cardรกpio e escolher os melhores elementos para produzir os pratos mais saborosos. Da mesma forma, do outro lado, os pais e estudantes devem se dedicar ร preparaรงรฃo para essa rotina. Todos devem estar engajados na cerimรดnia e nos preparativos para tornar o aprender o mais especial possรญvel.ย
Importante tambรฉm, nesse contexto, รฉ o papel da famรญlia em amenizar as dificuldades que os meninos e meninas podem enfrentar na escola. Enquanto estรฃo em casa, รฉ momento de relaxar, conhecer lugares e pessoas, fazer novas descobertas. Porรฉm, durante as aulas, รฉ preciso ficar atento para que a rotina seja flexรญvel, mas nรฃo imprรณpria.
O sabor prazeroso do saber รฉ uma responsabilidade de todos os envolvidos no processo de construรงรฃo do conhecimento. Esse conjunto determina o rito de preparo dos pratos e sua forma de apresentaรงรฃo ร mesa. Do comeรงo ao fim do ano letivo, รฉ necessรกrio que os participantes da produรงรฃo do saber estejam comprometidos. Sรณ assim, como declara o educador Paulo Freire, a escola serรก mais do que prรฉdios, salas, quadros, programas, horรกrios e conceitos. Ela serรก, sobretudo, gente que trabalha, estuda, se alegra, se conhece e se estima. Gente que tem fome de โdescobrirโ, รกvida por sentir o sabor agradรกvel da Educaรงรฃo.
*Claudia Saad รฉ pedagoga e gerente executiva do Sistema Positivo de Ensino.