Início + Mais Gente Iniciativa curitibana luta para diminuir os acidentes envolvendo trens

Iniciativa curitibana luta para diminuir os acidentes envolvendo trens

ONG Trilho Seguro cobra dos órgãos fiscalizadores mais segurança em cruzamentos rodoferroviários

Semáforo que deveria estar vermelho enquanto o trem passa, mas permanece verde, aumentando o risco de acidentes em Curitiba. Foto: ONG Trilho Seguro.

Curitiba lidera o índice de acidentes por trem em todo o país, de acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). O relatório divulgado em 2023 aponta que a cidade registrou 154 acidentes em linhas férreas entre 2018 e 2022. Os números mostram ainda que o Paraná é o líder em acidentes de trânsito em casos que envolvem locomotivas. Os dados alarmantes e uma experiência de quase morte motivaram a advogada Julia Marcassa a criar a ONG Trilho Seguro, que tem como principal objetivo cobrar mais segurança nos cruzamentos rodoferroviários.

O consultor de trânsito, Marcelo Araújo, destaca que o tema não é novo. “Em determinadas regiões da cidade de Curitiba, há semáforos que disciplinam tanto o cruzamento de vias terrestres quanto da via férrea, a qual se encontra paralela, portanto, é absolutamente injustificável que o motorista do carro pare seu veículo com o semáforo favorável à sua passagem, ele prevalece. Pior, em Curitiba tem semáforo que não está funcionando de forma a acionar a luz vermelha quando da passagem da composição férrea”, alerta.

O empresário Rubens Mesias, que tem uma empresa no bairro Cajuru há 30 anos, é testemunha do perigo que a sinalização inadequada representa para os motoristas. “Todos os dias vejo o semáforo para veículos abrir, mesmo com o trem passando. Já testemunhei diversos acidentes nesta passagem de nível. Fico me perguntando até quando vamos ver isso acontecer?”, desabafa.

Determinada a mudar essa realidade, ONG Trilho Seguro tem o propósito de impor o cumprimento rigoroso das leis e contribuir para a melhoria da segurança de todos. De acordo com a advogada, a estratégia mais bem-sucedida, evidenciada pelo insucesso de outras numerosas tentativas anteriores de abordar a questão junto à administração municipal e à concessionária ferroviária, consiste em responsabilizar as entidades encarregadas da fiscalização, que, por dever legal, são a ANTT e a Senatran. “Para anular o tradicional jogo de empurra entre o poder público concedente e as empresas concessionárias, a ONG vai cobrar diretamente dos órgãos federais de fiscalização. Iremos exigir providências imediatas e, em caso de descumprimento, a imposição de pesadas multas aos responsáveis”, garante a idealizadora.

A motivação para o projeto teve início depois de uma experiência negativa vivenciada quando Julia voltava para casa em uma tarde chuvosa com o filho João, de apenas dois anos. Enquanto o pequeno cantarolava na cadeirinha, ela dirigia atentamente, respeitando as regras de trânsito. Ao se aproximar de um cruzamento ferroviário no bairro Cajuru, o sinal verde autorizou que ela prosseguisse. No entanto, de repente, Julia se viu à beira de um perigo iminente. Apenas alguns metros à frente, saindo por detrás de um muro, uma enorme locomotiva atravessava a rua em sua direção. “O susto foi imenso. Não tive tempo para pensar, apenas acelerei o carro instintivamente. Se eu tivesse tomado qualquer outra decisão, como frear, por exemplo, o impacto teria sido inevitável”, conta.

Passado o susto, Julia tentou entender o que havia acontecido e decidiu aprofundar sua investigação sobre o incidente. “Fiquei abismada quando soube que muitas outras pessoas já haviam enfrentado o mesmo problema com a falta de segurança nas passagens de nível de Curitiba. Já aconteceu uma quantidade enorme de acidentes com trens, a maioria deles por falta de sinalização. Além disso, existem leis federais que estabelecem a instalação de cancelas e sinaleiros em passagens de nível e que estão sendo completamente negligenciadas”, revela.

Ao fundar a ONG Trilho Seguro, Julia não se tornou apenas uma porta-voz de sua experiência pessoal perigosa, mas também representante de toda uma comunidade enfrentando perigos devido à ausência de sinalização em passagens de nível da capital. “Infelizmente a população, por desconhecer que existem leis que a protegem, está habituada com cruzamentos em que a sinalização está abandonada ou sequer existe. Por este motivo a ONG irá fazer um trabalho de conscientização para esclarecer os cidadãos de que não é apenas uma questão técnica, mas sim um direito de todos, previsto em lei, e que está sendo violado”. No site da organização, há um formulário para que a população possa fazer denúncias e enviar fotos destas perigosas passagens de nível irregulares. Materiais que vão servir para sensibilizar a opinião pública e exigir das autoridades imediatas providências para a solução do problema.

Exemplo de sinalização adequada, com semáforo, cancela e placas de sinalização, adotado pelos Estados Unidos. Foto: ONG Trilho Seguro.

O que diz a legislação brasileira?

A Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, sancionada pela Presidência da República, em seu Art. 1º § 2º diz claramente que:

“O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.”

A Secretaria Nacional de Trânsito (SENATRAN), no uso de suas atribuições definidas no Artigo 19, Inciso XIX, do Código de Trânsito Brasileiro, criou, através do CONTRAN, o MANUAL DE CRUZAMENTOS RODOFERROVIÁRIOS, aprovado pela Resolução CONTRAN nº 857, de 19 de julho de 2021. Nesse manual, são determinados o tipo de periculosidade do cruzamento e as normas que devem ser seguidas para sinalizá-los.

Portanto, a lei determina que o trânsito seguro é um direito, mostra como se deve sinalizar corretamente as passagens de nível e quem deve fiscalizar se isto está sendo cumprido. De acordo com a advogada Julia Marcassa, “em Curitiba fica claro que esta fiscalização não está acontecendo e que os responsáveis pela sinalização não estão agindo”.

Quais os deveres do SENATRAN?

A Secretaria Nacional de Trânsito (SENATRAN) é o órgão máximo executivo de trânsito da União e tem como responsabilidade coordenar o Sistema Nacional de Trânsito (SNT) no Brasil. O Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) é um órgão normativo responsável por estabelecer normas e diretrizes para o trânsito no país. Quando se trata de fiscalização de sinalização de passagens de nível e outras questões relacionadas ao trânsito, a SENATRAN deve ter um papel atuante em conjunto com órgãos estaduais e municipais.

1. Orientação e Fiscalização Técnica: a SENATRAN deve orientar e fiscalizar tecnicamente as ações da prefeitura para garantir a adequação da sinalização de passagens de nível de acordo com as normas do CONTRAN.

2. Avaliação de Conformidade: realizar avaliações para verificar se as sinalizações de passagens de nível estão em conformidade com as normas estabelecidas, assegurando a segurança viária.

Em caso de não cumprimento das normas estabelecidas pelo CONTRAN, a SENATRAN pode adotar diversas medidas, que incluem notificações e advertências, multas, suspensão do repasse de recursos e intervenção nas ações de trânsito do município para corrigir as irregularidades.

Quais os deveres da ANTT?

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é responsável por regular e fiscalizar as concessões de infraestrutura de transporte terrestre no Brasil. Quando fiscaliza uma concessionária, a ANTT busca assegurar o cumprimento das cláusulas estabelecidas no contrato de concessão. Alguns dos deveres e instrumentos que a ANTT utiliza para fiscalizar e punir em caso de não cumprimento das cláusulas contratuais incluem:

1. Fiscalização Regular: A ANTT realiza auditorias e inspeções regulares para verificar se a concessionária está cumprindo as obrigações contratuais, que podem incluir aspectos operacionais, de manutenção e de segurança.

2. Sanções Administrativas: Caso a concessionária não cumpra suas obrigações contratuais, a ANTT pode impor sanções administrativas. Essas sanções podem variar de advertências e multas até a aplicação de penalidades mais severas, como a suspensão temporária da concessão.

3. Revisão Contratual: A ANTT pode revisar o contrato de concessão para ajustar as obrigações e condições, se necessário, de acordo com as cláusulas contratuais e a legislação vigente.

4. Rescisão Contratual: Em casos mais graves e persistentes de descumprimento contratual, a ANTT pode rescindir o contrato de concessão, retirando a concessão da empresa infratora e buscando um novo operador para a prestação dos serviços.

“Neste ponto, é importante destacar que o contrato de concessão da Malha Ferroviária Sul, assinado em 27 de fevereiro de 1997, estabelece em sua cláusula 5.2 – DA SEGURANÇA DO SERVIÇO – que: ‘A CONCESSIONÁRIA obedecerá às normas de segurança vigentes para a prestação do serviço objeto da concessão’.”


Sobre a ONG Trilho Seguro
A Trilho Seguro é uma ONG dedicada à segurança pública, especificamente focada em melhorar a segurança em cruzamentos rodoferroviários. O principal objetivo é garantir que os responsáveis cumpram rigorosamente as leis ao sinalizar estes locais. Mais informações no site https://trilhoseguro.org/



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