Josenilda Pedreira Alves é mãe de Dario, um bebê prematuro extremo, que
nasceu em janeiro com 26 semanas de vida e somente 809 gramas; eles se preparam
para ir juntos para casa logo após o Dia das Mães, depois de 112 dias dentro da UTI
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Se para toda mãe, a maternidade é uma caixinha de surpresas, rodeada de dúvidas e incertezas, para as mães de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) as angústias são ainda mais latentes. Prestes a dar à luz seu primeiro filho, a enfermeira em radiodiagnóstico Josenilda Pedreira Alves, 37 anos, soube na sala de parto que não seria possível ouvir o choro do seu bebê ao nascer – de fato, Dario não chorou. Ele nasceu prematuro, no dia 22 de janeiro, com 26 semanas de gestação, pesando 809 g e sem estar com os pulmões completamente formados – por isso foi imediatamente entubado e levado para a incubadora, sem nem poder sentir o primeiro toque do colo da mãe. Nesse domingo de Dia das Mães, o primeiro a ser comemorado pela enfermeira, Dario completará 112 dias vivendo dentro de uma UTI neonatal, mas está prestes a ir para casa com seus pais, depois de quase quatro meses de luta pela vida.
Até o dia do parto, a gravidez de Josenilda transcorria tranquilamente, com pré-natal em dia, sem hipertensão arterial, sem diabetes gestacional e sem outra comorbidade que pudesse indicar que ela teria um parto prematuro. Ela conta que no dia 21 de janeiro começou a sentir algumas contrações, mas pensou se tratar das “contrações de treinamento”, movimentos que acontecem quando os músculos do útero se contraem involuntariamente, deixando a barriga mais dura por alguns segundos, de forma bem aleatória e normalmente indolor. No caso de Josi, as contrações se intensificaram, a dor aumentou e ela foi para o hospital. Lá soube que estava com três dedos de dilatação e que Dario poderia nascer a qualquer momento.
Nesse momento aconteceu a primeira quebra de expectativa. Eu já tinha perdido um bebê antes do Dario. Três anos depois, engravidei novamente e estava radiante. O pré-natal ia muito bem, e eu estava plena, bem tranquila, não tive enjoos e vivia o período mais magnífico da minha vida, sonhando com o parto natural. Mas foi tudo muito rápido. Até então, a ideia dos médicos era me internar e tentar segurar o Dario por mais um período. Só que nesse intervalo a minha bolsa rompeu. Para piorar, ele estava sentado e tivemos que ir para uma cesárea de emergência”, lembra a mãe.
Já no centro cirúrgico, na companhia do marido, Cristian, Josi se recorda de que vários profissionais tentavam acalmá-la, mas a memória mais presente é a da médica neonatologista Marcela, que se aproximou e explicou que provavelmente Dario não choraria ao nascer e, devido à sua prematuridade extrema, teria de ser levado imediatamente para uma sala onde seriam feitos os procedimentos necessários para garantir sua vida.
“Ela me disse: não se assuste se ele não chorar. Imagine o que é para uma mãe não ouvir o choro do seu bebê ao nascer. Fechei os olhos, as coisas foram acontecendo, ele nasceu e eu não ouvi o choro”, conta.
Um tempo depois, a médica voltou com Dario na incubadora, já entubado, e mostrou o bebê para a mãe. “Ela quis me descontrair, me tranquilizar, e disse que estava tudo bem e que ele era muito cabeludo”, conta Josi. Em seguida, avisou que o bebê iria para a UTI neonatal, onde permaneceria até se fortalecer. “Aqui foi a segunda quebra de expectativa e a primeira separação nossa. A minha vontade era poder abraçar, beijar o meu bebê, sentir o cheirinho, mas não pude fazer nada disso. Fiquei admirando-o por uns três ou quatro minutos. Vivi sentimentos extremos ao mesmo tempo. Estava muito feliz por ele estar ali, na minha frente, vivo, e ao mesmo tempo senti muito medo do que poderia acontecer com ele dali para a frente”, conta.
Após o parto, Josi foi enviada para a sala de recuperação e depois para o quarto. Assim que se recuperou da cesárea, pediu para ver o filho e foi levada para a UTI neonatal. Dario era um bebê muito pequeno e fragilizado. “Olhei para ele, vi que ele estava vivo, mas o medo continuava tomando conta de mim. Apesar de eu ser da área da saúde, o meu conhecimento ali não servia de nada. Era o meu filho que estava naquela UTI e eu me sentia vulnerável. Naquele momento eu era mais uma mãe de UTI”, conta a enfermeira.
Rotina intensa
Josi fica em média 13 horas por dia dentro da UTI – chega no hospital bem cedinho, por volta das 7 horas da manhã, e a primeira coisa que faz é visitar o bebê para fazer suas orações e agradecimentos. Às 8 vai para o Banco de Leite da maternidade para extrair leite materno, fundamental para a amamentação do bebê e para fortalecer o vínculo entre mãe e filho. Depois volta para a UTI para acompanhar o filho. Às 10 horas, vai extrair mais um pouco de leite. Almoça, fica um tempo na sala reservada aos pais e volta novamente para o banco de leite. E, de novo, dá mais uma passadinha na UTI neonatal. Depois vai tirar leite de novo. E assim têm sido os dias de Josi, até por volta das 20h30, quando volta para casa para descansar. “Até daria para tirar uma sonequinha na UTI, mas os barulhos do ambiente são tão intensos que não consigo”, diz.
Primeira vez no colo
Dez dias depois do parto, Josi pôde segurar Dario no colo pela primeira vez. O neném ainda estava entubado e foi delicadamente colocado no colo da mãe pela enfermeira para ficarem em contato pele a pele – o método canguru, auxiliado por uma fisioterapeuta. “Por dez dias, eu não consegui tocá-lo. Só podia olhar pela janelinha da incubadora. Quando veio para o meu colo, ele se aconchegou entre os meus seios e pude sentir seu coração, sua respiração. Foi muito intenso, como se um fio nos conectasse. Fiz as primeiras preces com ele no meu colo e agradeci por ele estar ali”, conta ela, que ficou com o bebê por cerca de duas horas.
Dario já tinha mais de 2 meses quando Josi pôde amamentá-lo diretamente no seio – até então, o bebê recebia leite materno, mas por meio de uma sonda. A mãe foi preparada e o bebê passou pela avaliação de uma fonoaudióloga, para ver se ele seria capaz de mamar. “O primeiro dia eu diria que foi um show de horror. A gente cria a imagem de que a amamentação é fácil e perfeita, mas na verdade não é. Eu não sabia como segurá-lo, como posicioná-lo de forma que ficasse confortável para nós dois. Eu não conseguia amamentá-lo, mesmo com o apoio dos profissionais de enfermagem e fonoaudiologia. Acredito que a emoção invadiu meu coração e a felicidade de saber que ele não receberia o leite por uma sonda, e sim pelo meu peito, me fez perder a conexão”, diz, brincando, a mãe. Josi se recompôs e Dario conseguiu se alimentar do seio da mãe. Desde então, o bebê é amamentado diariamente e em momentos alternados recebe o leite materno pela mamadeira.
Nesses quase quatro meses, Dario passou por altos e baixos dentro da UTI. Entre as idas e vindas, as mães de UTI se tornam parceiras e dividem momentos de alegrias, de conquistas, de evolução dos seus bebês, mas também vivem juntas momentos de angústias e tristezas. Compartilham entre si as dores e as incertezas do amanhã e se tornam o suporte umas das outras. Na maioria das vezes, os bebês evoluem e recebem alta, mas também há casos de perdas e essas mulheres acabam vivendo o luto de estar com o colo vazio.
Hoje Dario está com 3,6 kg e mede 47 cm. Já não usa mais nenhum suporte de oxigênio e está em observação para a avaliação do seu comportamento em ar ambiente e para ver se mantém todos os parâmetros estáveis para ir para casa. No início da semana, ele recebeu o primeiro banho dado pelos pais e a expectativa é que receba alta logo depois do Dia das Mães. “Ser mãe é algo extraordinário. É uma doação total, é uma entrega completa, é deixar os caprichos de lado. É estar ali para que aquela outra vida possa se desenvolver”, diz a mãe de primeira viagem, com a voz embargada. “Ser mãe é uma dádiva e eu aprendo todos os dias. Nem filhos nem mães vêm com um manual de instruções e cada dia é um aprendizado.”
Doze por cento de prematuros
A história de Josi dentro de uma UTI neonatal não é a única e se repete quase todos os dias. No Brasil, todos os anos, cerca de 12% dos bebês nascem prematuros, ou seja, antes de completarem 37 semanas de idade gestacional, e vão precisar de algum suporte de UTI até que estejam prontos para ir para casa. “Quanto mais prematuro nasce o bebê, maior é o tempo de permanência na unidade neonatal”, explica Romy Schimidt Brock Zacharias, coordenadora médica do Serviço de Neonatologia do Hospital Israelita Albert Einstein.
Segundo a médica, a neonatologia é uma especialidade que teve grandes avanços nos últimos anos, tanto no melhor entendimento da fisiologia dos prematuros quanto no desenvolvimento de novas tecnologias, que permitem cada vez mais a viabilidade de recém-nascidos mais prematuros. Entre os exemplos de avanços estão as incubadoras com umidificação, os novos ventiladores mecânicos, que oferecem o suporte ventilatório com menor lesão pulmonar, e a nutrição parenteral, que permite nutrir o bebê mesmo antes de ele poder receber uma dieta.
“Os desafios de uma mãe na UTI neonatal se iniciam com a quebra de expectativa em relação a um bebê que iria nascer saudável, mas que, por algum motivo, chegou antes do tempo e precisou de ajuda, monitorização ou suporte de uma unidade de terapia intensiva. Muitas vezes, esse dia a dia é cansativo e instável. Nesse contexto, procuramos trabalhar em conjunto com os pais, compartilhando decisões e trazendo-os para perto dos cuidados”, diz a neonatologista.
“Se eu puder deixar uma mensagem, é para que essas mães tenham fé e perseverança e não se comparem com outras nem com a maternidade perfeita, que é divulgada nas mídias e nas redes sociais. Cada uma é única, cada bebê é único. A maternidade real tem os seus desafios, cada mãe tem as suas metas a serem superadas de forma individual. Vivam de maneira singular cada minuto dessa fase, que não voltará. Tenham um feliz Dia das Mães!”, finaliza a mãe de Dario.
Fonte: Agência Einstein