Projeto educacional em ONG na cidade de Santa Mariana (PR) utiliza sucata eletrônica para ensinar programação e pensamento computacional
Pedaços de canos, sucatas eletrônicas e uma escova velha de lavar calçada podem ser itens de descarte para alguns. Mas para 25 crianças em situação de vulnerabilidade na pequena Santa Mariana, pertinho de Cornélio Procópio, no norte do Paraná, são as chaves para a entrada no mundo da computação. Isso, graças à pesquisa do doutorando em Informática da UFPR, Carlos Eduardo Ribeiro, que usa a robótica como instrumento de aprendizagem. “O objetivo é melhorar o engajamento dessas crianças e adolescentes na escola a partir da robótica educacional”, destaca Ribeiro. A pesquisa é orientada pelo professor Eduardo Todt, do Departamento de Informática da UFPR.
Todas as quartas-feiras, Tio Biluka, como Carlos é carinhosamente conhecido pelas crianças, pega a BR-369 na cidade de Bandeirantes, onde é professor de Auditoria e Segurança de Sistemas no curso de Sistemas de Informação na Universidade Estadual do Norte do Paraná (Uenp), e segue por 20 quilômetros rumo ao bairro Vila Santa Rita, área carente de Santa Mariana. É na sede da ONG Cantinho das Crianças que as atividades lúdicas abrem espaço para o universo da computação e da robótica.
A proposta da pesquisa surgiu de uma conjunção de um histórico em atividades de extensão, com uma atuação anterior de Ribeiro junto à ONG, que atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, promovendo a inclusão e a cidadania, e oferecendo atividades educativas, apoio psicossocial, atividades recreativas e alimentação com acompanhamento de nutricionistas. “Eu queria atuar na pesquisa com robótica educacional, em um projeto e em uma área que eu pudesse atuar junto às comunidades. Há tempos venho me dedicando a projetos que buscam atender as demandas sociais, sobretudo em atividades de extensão com a universidade. Foi dessa vontade que surgiu a oportunidade de iniciar o doutorado com este projeto”, aponta Ribeiro.
Na prática, o projeto tem início com o desenvolvimento de aprendizado sobre pensamento computacional e base de programação, que pode ser usada depois na robótica. Para isso, os alunos aprendem com materiais simples, como uma folha quadriculada, a inserir setas que indicam o caminho que um robô pode seguir. Isso para que em uma próxima etapa, eles possam iniciar uma programação por blocos, transpondo as setas em formato de códigos para uma plataforma que resultará em movimentos em um robô.
“Atuo na educação não formal, ou seja, fora da escola. Porém, mesmo não tendo um currículo para seguir, as atividades que trabalho com as crianças são baseadas nas diretrizes de robótica educacional da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), do Ministério da Educação. Neste aspecto, trabalho com as crianças com a computação desplugada, a partir da ideia de uma robótica desplugada. Nessa abordagem, não há necessidade de uso dos computadores, o que facilita o trabalho, uma vez que não temos máquinas para todos”, destaca Ribeiro.
A ideia central da pesquisa é usar a robótica como instrumento para melhorar o aprendizado dos alunos nas escolas. O estudo de Ribeiro junto ao doutorado da UFPR busca entender como a robótica pode ser utilizada para desenvolver habilidades essenciais, como criatividade, raciocínio lógico e colaboração, visando aumentar o engajamento educacional dos participantes.
“Nosso objetivo não mira em formar programadores ou montadores de robôs. A ideia é despertar nas crianças a curiosidade, a vontade de conhecer mais sobre o mundo da computação, e nas atividades, auxiliar no desenvolvimento de competências que serão importantes no ambiente escolar e no aprendizado formal. O grande objetivo é gerar o engajamento das crianças no estudo. E temos reunido no doutorado justamente esses indicadores para avaliar o benefício das aulas de robótica. Nem sempre é algo que impacta diretamente na nota. Mas quando observamos o contexto, os professores nas escolas têm percebido uma melhor dinâmica ou relacionamento social, uma melhor desenvoltura na comunicação”, complementa.
A pesquisa no doutorado segue até a defesa prevista para 2025. Mas os resultados preliminares, fruto das entrevistas com os professores que atendem as crianças nas escolas públicas da região, indicam que as aulas de tecnologia têm um potencial positivo para estimular habilidades essenciais nas crianças e adolescentes. Os dados coletados até agora apontam que as atividades de robótica não apenas contribuem para o desenvolvimento integral dos participantes, mas também aumentam seu engajamento na educação formal. Assim, o pesquisador relata perceber que a robótica educacional não é apenas uma ferramenta pedagógica, mas também um meio de transformação social.
“Em alguns casos, as crianças, por conta das dinâmicas nas aulas de robótica, desenvolvem aspectos de liderança que são refletidos no dia a dia na escola. E é este o foco da minha pesquisa e da minha proposta de atuação,utilizar a robótica educacional para melhorar o engajamento dessas crianças no ensino formal. Isso a gente já teve reflexo positivo com o feedback dos professores”, aponta o pesquisador.
Falta de estrutura e ambiente de vulnerabilidade – sem uma infraestrutura adequada, e com muitas adversidades em um cenário de vulnerabilidade social, os resultados positivos da pesquisa só foram possíveis com muita persistência do pesquisador e do esforço das crianças em acompanhar as atividades na ONG. Segundo Ribeiro, o projeto chegou a atender 30 crianças logo após o fim da pandemia. Contudo, os desafios cotidianos afetaram a frequência nas aulas.
“Atendemos hoje cerca de 25 crianças acompanhando frequentemente, mas este número foi maior. Como estamos em um cenário de vulnerabilidade, temos entradas e saídas de crianças nas aulas, devido às mais variadas necessidades familiares ou de contexto social econômico. Temos um caso, por exemplo, de uma aluna muito dedicada e assídua nas aulas de robótica, muito curiosa e com um potencial muito grande, que precisou sair dar aulas para ajudar a cuidar do irmão mais novo. Em sua maioria, são crianças de famílias carentes. E elas encontram amparo na ONG”, aponta Ribeiro.
Outro desafio nas aulas é a falta de equipamentos de tecnologia. O alto custo de kits de robótica disponíveis hoje no mercado, e a incompatibilidade de recursos da ONG para a atividade faz o pesquisador recorrer a recursos próprios, tutoriais da internet, e à criatividade no uso de materiais reciclados ou equipamentos velhos de informática.
“Usamos sucata eletrônica e outros materiais com as crianças. Desmontamos equipamentos para pegar o motor, às vezes compro com meus recursos alguns outros componentes, e assim vamos reunindo materiais para as aulas. Vou compilando tutoriais, vídeos e projetos que encontro na internet, e aplico nas aulas. Um dos projetos foi desenvolver um robozinho, usando um motor pequeno, desses de carrinhos, acoplado em uma escova de lavar. Em outra oportunidade, usamos canos com gravetos e montamos pequenos aviões com as hélices movendo. Projetos simples, mas que geram muito resultado com as crianças, empolgando-as, fazendo com que atuem em equipe”, finaliza Carlos.
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