Para câncer localizado de baixo, médio e alto risco, técnica apresenta os menores índices de efeitos colaterais e resultados oncológicos comparáveis aos métodos clássicos.
Desde que o ultrassom focalizado de alta intensidade (HIFU) foi iniciado para o tratamento do câncer de próstata, os parâmetros de tratamento foram refinados, desde a ablação de toda a glândula prostática até a ablação de quadrantes e a chamada ablação ultrafocal de áreas cancerosas. As abordagens com menos do que a glândula inteira parecem conferir um controle tranquilizador do câncer em médio prazo, com efeitos colaterais e complicações reduzidos, desde que os pacientes sejam estadiados e selecionados adequadamente.
De modo geral, o parágrafo acima resume o que diversos estudos internacionais¹ relatam sobre o HIFU (High Intensity Focused Ultrassound; Ultrassom Focalizado de Alta Intensidade, em português). Isso porque a técnica evoluiu desde que começou a ser aplicada em diversos países europeus, nos Estados Unidos, no Japão e, em 2011, no Brasil.
A evolução da técnica tem sido determinante para sua aplicação nos casos de câncer de próstata de baixo, médio e alto risco. Para os casos de alto risco, o pensamento é semelhante àquele empregado por outras técnicas e tratamentos cirúrgicos, como cirurgia ou radioterapia. Ou seja, para a doença de alto risco a tendência é de resultados menos favoráveis, tal como em qualquer outra técnica ou procedimento normalmente indicado.
Um dos estudos mais destacados no mundo (High Intensity Focused Ultrasound Hemigland Ablation for Prostate Cancer: Initial Outcomes of a United States Series), realizado em 2020 e, segundo os autores, uma das primeiras séries dos Estados Unidos sobre ultrassom focalizado de alta intensidade como tratamento primário para câncer de próstata, contou com a participação de 100 homens durante 5 anos, a maioria com câncer de próstata intermediário favorável (50%). O estudo indicou segurança, excelente potência e preservação da continência, além de controle adequado do câncer de próstata em curto prazo. O tratamento radical foi necessário em somente 9% dos homens.
Recentemente, com base em uma pesquisa da Associação Francesa de Urologia (AFU), o urologista gaúcho Gustavo Carvalhal apresentou, no Congresso Sul-Brasileiro de Urologia 2024, em Curitiba (PR), uma pesquisa com 3.500 homens, sendo o primeiro estudo prospectivo comparando HIFU versus cirurgia Prostatectomia Radical (RP) como tratamento primário para câncer de próstata localizado. A pesquisa identificou que a sobrevida livre de tratamento de resgate após HIFU não foi inferior à relatada após a cirurgia radical (RP) e as consequências funcionais (incontinência, disfunção erétil) foram significativamente menores após o HIFU. Estes achados permitiram liberar o HIFU para emprego clínico através de convênios e seguros de saúde, na França.
Aprovação das Agências Reguladoras
O grande passo para a aplicação do HIFU no mundo foi a aprovação da FDA (Food and Drug Administration), a agência reguladora dos Estados Unidos, que concedeu a permissão para o HIFU em 2015, para emprego da técnica sobre a próstata, para eliminar seu tecido, seja benigno ou maligno. A técnica tem ainda autorização regulatória em mais de 48 países, entre eles Japão, Canadá, México e China, e pela Comunidade Europeia. No Brasil, a Anvisa aprovou em 2008.
História do HIFU
Os primeiros estudos com HIFU, para ablação não invasiva, foram relatados no início dos anos 1940. Posteriormente, nas décadas de 1950 e 1960, William Fry e Francis Fry, ambos da Universidade de Illinois (EUA), e Carl Townsend, Howard White e George Gardner, no Interscience Research Institute de Champaign, Illinois, apresentaram resultados de tratamentos clínicos para problemas neurológicos, com aplicação do ultrassom de alta intensidade de modo estereotáxico para realizar a ablação precisa de tumores cerebrais.
O avanço clínico e tecnológico aumentou o interesse na ablação de outros tumores com HIFU. Ao receber aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Düsseldorf, a primeira validação médica da tecnologia para a próstata, o médico e pesquisador alemão Prof. Dr. Rolf Ackermann realizou a primeira aplicação com HIFU na próstata em 1992. Os estudos de Ackermann foram concluídos em 1995.
Nestes últimos 15 anos, a evolução principal da terapia HIFU se deu no âmbito da escolha e definição da área a ser tratada. Devido à influência dos trabalhos científicos ingleses a partir de 2014, o campo de tratamento foi muitas vezes reduzido, restrito a áreas da próstata doentes e suspeitas, o que gerou muitas dúvidas por parte de médicos iniciantes neste tratamento.
A primeira aplicação do HIFU no Brasil recebeu apoio de médicos e cientistas da Alemanha, Inglaterra, Suíça e Estados Unidos. A história do HIFU no Brasil começa na Universidade Heinrich Heine de Düsseldorf, na Alemanha, a mesma do Prof. Dr. Rolf Ackermann. No país, a primeira aplicação do HIFU para o tratamento do Câncer de Próstata foi realizada em 2011, no centro cirúrgico do Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba (PR), pelo urologista e uro-oncologista paranaense Marcelo Bendhack.
Bendhack, com mais de 30 anos de medicina dedicados à uro-oncologia, já realizou mais de 850 tratamentos com HIFU e mais de 800 cirurgias radicais. Neste contexto, adquiriu experiência notável para efetuar uma boa escolha de terapia, a cada paciente examinado. Isto se traduz numa medicina personalizada de excelência. Paralelamente à medicina, o médico brasileiro faz parte de um grupo de cientistas alemães e espanhóis que se dedica aos estudos em epigenética. O grupo já publicou artigos nos quais relacionam a epigenética e diversos tipos de cânceres. Nos dois mais recentes, o HIFU é destacado como uma técnica válida para o tratamento do câncer de próstata¹ ²: Epigenetics Meets CAR-T-Cell Therapy to Fight Cancer e hTERT Epigenetics Provides New Perspectives for Diagnosis and Evidence-Based Guidance of Chemotherapy in Cancer.
Doutor em cirurgia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em uro-oncologia pela Universidade Heinrich Heine, Bendhack acompanhou por dois anos os estudos com HIFU, sob orientação do Prof. Ackermann, então Chefe de Urologia da Universidade alemã. Além disso, recebeu em 2016 o convite para cuidar das propriedades intelectuais do seu Professor Emérito.
Baixos efeitos colaterais
Um estudo [ Focal therapy compared to radical prostatectomy for non-metastatic prostate cancer: a propensity score-matched study ] publicado pela Springer Nature (28/Jan/2021), identificou que a terapia focal foi avaliada como a melhor estratégia para o tratamento do câncer de próstata.
Os tratamentos radicais de glândula inteira, como prostatectomia radical ou radioterapia radical, apresentam resultados oncológicos favoráveis, porém geralmente com alto grau de efeitos colaterais, notadamente incontinência urinária e disfunção erétil.
No caso do HIFU, para câncer localizado de baixo, médio e alto risco, são descritos os menores índices de efeitos colaterais, de 0 a 2% para incontinência urinária e de 5 a 26% para disfunção erétil, baixíssima taxa de mortalidade (praticamente nula) e alto índice de sobrevida livre de metástases após 10 anos, incluindo poucos casos de recidiva, com taxas aceitáveis de morbidade. Outro ponto positivo é que o HIFU é minimamente invasivo, com menor risco de complicações e sequelas, e requer poucas horas (24h/36h) de internação.
Centros para tratamento com HIFU no Brasil
No Brasil, o HIFU é aplicado em diversos centros médicos de excelência, sendo os principais nas regiões Sul e Sudeste. Entre eles o hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba (PR), o qual possui a mais ampla experiência no país.
Experiência e Resultados
A experiência do cirurgião na aplicação do HIFU também está associada aos bons desfechos oncológicos do tratamento. Conforme abordado no 39º Congresso Brasileiro de Urologia (Salvador, 2023), o tratamento focal com HIFU tem resultado oncológico aceitável em médio prazo e a experiência e técnica do cirurgião parecem estar associados de forma independente ao resultado e necessidade de tratamento de resgate subsequente.
Energia Acústica
O HIFU utiliza energia acústica (ultrassônica) em pontos específicos da próstata. Os feixes de ultrassom geram energia ultrassônica e calor, e se concentram numa região onde aplicada: isto é totalmente dependente do médico que executa o tratamento. Quando a energia atinge o local determinado dentro do corpo, a temperatura é elevada para cerca de 92ºC em questão de segundos, o que resulta na destruição do tecido – apenas o tecido alvo – é atingido pela energia ultrassônica. Se o tumor se encontra na área de aplicação, ele será eliminado. A fonte de energia (transdutor ou probe) do HIFU geralmente é colocada por via retal, e as ondas de ultrassom atravessam vários planos de tecido, sem danificá-los.
Câncer de Próstata
Segundo tumor mais comum e a terceira principal causa de morte em homens no mundo, o câncer de próstata é cada vez mais identificável precocemente, tratável e com bons prognósticos – elevados índices de sobrevida.
O aumento de incidência da doença em todo mundo tem algumas variáveis, como o avanço nos programas de prevenção, informação, evolução dos métodos diagnósticos, novas tecnologias e o aumento na expectativa de vida.
De acordo com o levantamento Globocan, da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer, da Organização Mundial da Saúde (OMS), em todo o mundo são registrados mais de 1,4 milhão de novos diagnósticos anuais de câncer de próstata.
Dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA) para o triênio 2023/2025 apontam que a estimativa de novos casos de câncer de próstata é de 71.740 novos casos a cada ano no Brasil, atrás apenas do câncer de pele não melanoma.
Atualmente, Brasil é o quarto país que concentra mais casos, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Japão. A doença é responsável por 375 mil mortes no mundo, a cada ano.
berlitz@berlitzcomunicacao.com.br
Estudos e Pesquisas
High Intensity Focused Ultrasound Hemigland Ablation for Prostate Cancer: Initial Outcomes of a United States Series. Andre Luis Abreu, *Samuel Peretsman, Atsuko Iwata, Aliasger Shakir, Tsuyoshi Iwata, Jessica Brooks, Alessandro Tafuri, Akbar Ashrafi, Daniel Park, Giovanni E. Cacciamani, Masatomo Kaneko, Vinay Duddalwar, Manju Aron, Suzanne Palmer e Inderbir S. Gill.
Ganzer R1, Fritsche HM, Brandtner A, Bründl J, Koch D, Wieland WF, Blana A: Fourteen-year oncological and functional outcomes of high intensity focused ultrasound in localized prostate cancer.BJU Int. 2013 Aug; 112(3): 322-9. doi: 10.1111/j.1464-410X.2012.11715.x. Epub 2013 Jan 28.
Crouzet S1, Chapelon JY2, Rouvière O3, Mege-Lechevallier F4, Colombel M5, Tonoli-Catez H5, Martin X5, Gelet A6: Whole-gland ablation of localized prostate cancer with high-intensity focused ultrasound: oncologic outcomes and morbidity in 1002 patients. Eur Urol. 2014 May;65(5):907-14. doi: 10.1016/j.eururo.2013.04.039. Epub 2013 Apr
Transrectal High-Intensity Focused Ultrasound for the Treatment of Localized Prostate Cancer: Current Role. Christian Chaussy, Derya Tilki, Stefan Thüroff, Department of Urology, Klinikum Harlaching, Munich, Germany. Department of Urology, Ludwig-Maximilians-University, Munich, Germany. Harlachinger Krebshilfe e.V., Munich, Germany.
Thüroff S1, Chaussy C: Evolution and outcomes of 3 MHz high
intensity focused ultrasound therapy for localized prostate cancer during 15 years.J Urol. 2013 Aug;190(2):702-10.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23415962/
Epigenetics Meets CAR-T-Cell Therapy to Fight Cancer
https://doi.org/10.3390/cancers16101941
hTERT Epigenetics Provides New Perspectives for Diagnosis and Evidence-Based Guidance of Chemotherapy in Cancer
https://doi.org/10.3390/ijms25137331
https://www.mdpi.com/1422-0067/25/13/7331
EAU-EANM-ESTRO-ESUR-ISUP-SIOG Guidelines on Prostate Cancer—2024 Update. Part I: Screening, Diagnosis, and Local Treatment with Curative Intent DOI:
https://doi.org/10.1016/j.eururo.2024.03.027