Clóvis Teixeira Filho (*)
A regulação de redes sociais é um tema global, presente em iniciativas como a Lei de Serviços Digitais da União Europeia ou na proposta de emenda à Lei de Segurança Online da Austrália. No Brasil, o debate ocorre principalmente por meio do Projeto de Lei nº 2630/2020. Apesar de engavetado, sua urgência é retomada a cada eleição ou episódio de brutalidade em que as redes sociais ampliam discursos exaltados e criminosos.
O ambiente digital tem abrigado casos como violência contra mulher, racismo, estímulos ao suicídio e à automutilação, discursos contra a democracia, ou crimes contra a criança e a adolescência, sobre os quais trata o referido projeto de lei. Não agir diante dessa realidade beneficia apenas aqueles que produzem conteúdo potencialmente criminoso ou quem lucra com sua disseminação.
As plataformas digitais, dominadas por Big Techs, operam em uma economia da atenção. Algoritmos priorizam o que gera engajamento, muitas vezes beneficiando conteúdos sensacionalistas ou perigosos. Isso não é coincidência, mas um modelo de negócios lucrativo para essas empresas. Mensagens potencialmente ilegais não apenas geram cliques, mas também fomentam comunidades tóxicas que ameaçam a segurança pública. Esses materiais, por moldarem a percepção da realidade e gerarem lucros significativos, sustentam uma rede complexa de financiamento, tecnologia e agentes articulados.
Até que medidas sejam tomadas pelo caminho atual, as mensagens já foram replicadas e monetizadas.
Apesar de ações nacionais relevantes, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, a ausência de legislação específica à realidade atual beneficia o ganho financeiro de redes sociais em detrimento da segurança dos usuários. Apenas em 2023, a Safernet Brasil registrou mais de 186 mil denúncias de crimes cibernéticos, com destaque para pornografia infantil e xenofobia, amplamente vinculadas a redes sociais.
A regulação não significa censura ou cerceamento da liberdade de expressão, mas a criação de um ambiente digital mais seguro e transparente. O PL 2630, por exemplo, propõe medidas também contra robôs que disseminam mensagens em massa, além de responsabilizar empresas que se beneficiam financeiramente da circulação de conteúdos ilegais. É um projeto que visa equilibrar liberdade e responsabilidade, dois pilares fundamentais para a democracia. A própria mídia analógica, como a televisão, conta com regulação; realidade em outros segmentos da economia como o farmacêutico ou o alimentício. A regulação promove concorrência justa e condições minimamente razoáveis para o consumidor.
A resistência reflete os interesses das plataformas, que utilizam seus próprios sistemas para influenciar o debate público. Exemplos incluem ações do Google e do Telegram, disseminando informações abusivas e enganosas. Essas reações reforçam que o modelo atual precisa de ajustes. Mas, curiosamente, as gigantes da tecnologia evitam participar das audiências públicas de tramitação do projeto de lei sobre o assunto.
Quem realmente se beneficia da ausência de normas são aqueles que lucram com conteúdo criminoso ou se escondem sob o anonimato para produzi-lo. É hora de priorizar o interesse público e garantir um ambiente digital que promova o bem-estar coletivo, não apenas os lucros das grandes corporações. Em um país com poucos leitores, a replicação de manchetes tendenciosas das redes sociais diminui a importância de analisar propostas de melhoria do ambiente em rede e debatê-las publicamente.
(*) Clóvis Teixeira Filho é Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e Coordenador de Pós-Graduação na Área de Comunicação do Centro Universitário Internacional UNINTER.