Mesmo protegida por lei, se medidas preventivas mais intensas não forem tomadas, a espécie deverá sumir em Minas e SP e terá ambiente reduzido às áreas altas e frias. Cálculos estão em pesquisa que considerou quadro de desmatamento e crise climática atual
Árvore que simboliza as paisagens do Sul do Brasil, a araucária se destaca nas regiões frias da Mata Atlântica como uma planta majestosa e de copa peculiar, em formato de guarda-chuva. Sua presença, contudo, é cada vez mais rara devido ao avanço da agricultura e à extração madeireira. Nas últimas décadas a espécie perdeu 87% da sua cobertura, que abrange a chamada Floresta Ombrófila Mista, encontrada em serras no Sul-Sudeste e em alguns países vizinhos.
A ausência das araucárias é uma história conhecida do povo indígena Guarani Nhandewa, que mora no Norte do Paraná, onde fica a Terra Indígena Laranjinha. “Na região em que passei parte da infância a gente já via destruição. Muito desmatamento por conta da agricultura, da monocultura. Você saia fora do território, nas bordas já começava o processo de desmatamento, assoreamento dos rios, via-se só a terra vermelha mesmo”, conta Eloy Jacintho, um dos líderes desse povo e membro do Conselho dos Povos Indígenas do Paraná.
Os Guarani Nhandewa fazem parte de uma das várias ações da sociedade civil que buscam a preservação da araucária, dessa vez na Região Metropolitana de Curitiba. Desde 2021 cinco povos indígenas tentam reverter a perda da araucária na Floresta Estadual Metropolitana. A floresta faz parte de uma região de manancial, a Área de Preservação Ambiental de Piraquara, a 22 quilômetros de Curitiba, que tem um dos principais reservatórios de água da região.
Mas a tarefa de recuperação, que já parecia difícil frente à perda constante de floresta e o avanço das serrarias e das plantações de eucalipto, tem um novo desafio no horizonte.
O aumento da temperatura causado pelo efeito estufa vai encolher significativamente as áreas onde a araucária consegue sobreviver. É o que mostram os resultados de um estudo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) publicado na revista Global Ecology Conservation. Os pesquisadores avaliaram milhares de cenários com diferentes configurações e variáveis que trouxeram resultados pouco animadores.
Com o aumento da temperatura haverá uma diminuição entre 45% e 56% das áreas potenciais de distribuição da Araucária até o ano de 2050. Segundo o professor do Departamento de Biodiversidade da UFPR em Palotina, Victor Pereira Zwiener, coordenador do estudo, isso significa que devido às mudanças no clima a espécie não vai conseguir manter populações viáveis nessas regiões anteriormente favoráveis.
O pesquisador explica que isso leva à descontinuidade dos esforços reprodutivos, com diminuição da produção de pinhão, semente da araucária, e dificuldade de adaptação dos novos indivíduos às novas condições climáticas. O resultado é o declínio populacional, com o aumento nas taxas de mortalidade e diminuição de novas árvores.
VÍDEO | Veja o cenário atual e as projeções da pesquisa para o ano de 2050
Para o estudo, os pesquisadores criaram 11.484 modelos com diferentes variáveis, estabelecendo parâmetros para testar sua eficácia seguindo o método de Modelagem de Nicho Ecológico, técnica que estuda aspectos que impactam a distribuição de espécies. Apenas um modelo atingiu todos os critérios estabelecidos que, entre outros, envolviam significância estatística e acurácia na predição. O modelo incluía variáveis relacionadas com o clima, solo e topografia.
As informações do modelo final foram cruzadas com informações de projeções climáticas, que são modelos de circulação atmosférica utilizados na meteorologia para fazer previsões futuras. Dois cenários mais prováveis foram identificados e, com essas informações, os pesquisadores puderam traçar as regiões onde a araucária não vai ter mais condições favoráveis de sobrevivência.
A diminuição de área potencial da araucária (vide gráfico) combinada com taxas de desmatamento e outras ações humanas com impacto na floresta levariam à perda de 70%, no cenário menos pessimista, e de até 75% no pior cenário. A diferença entre os dois cenários está basicamente nas condições meteorológicas.
Regiões mais baixas e quentes terão maior impacto
O recuo de distribuição potencial afeta diversas regiões. No pior cenário a araucária deixaria de existir em grande parte do Paraná, especialmente em regiões mais baixas. Regiões próximas a cidades como Cascavel e Campo Mourão veriam a espécie sumir paulatinamente.
O Oeste de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, bem como os remanescentes da Argentina e do Paraguai, seriam severamente afetados. E as populações da Serra da Mantiqueira, em São Paulo, e no sul de Minas poderiam deixar de existir.
Nesse quadro, em que as tendências se mantêm iguais às de hoje, a araucária se retrai para pequenos refúgios como a região da escarpa devoniana no segundo planalto paranaense e a região de Guarapuava.
Segundo Zwiener, Curitiba mantém-se como um local relativamente estável para a espécie, no entanto no cenário mais crítico é possível que ocorra uma redução drástica das populações nessa região. O entorno de Porto Alegre também se mantém propício para a espécie.
Desmatamento e diminuição das áreas de conservação mantém um forte impacto
Além da diminuição da área de distribuição potencial, o estudo também avaliou os impactos combinados do desmatamento e outras ações que diminuam os remanescentes florestais. Dessa forma, os cenários traçados apontam uma redução ainda mais drástica, entre 70% e 75%, com impactos alarmantes para a sobrevivência da araucária.
“O desmatamento além de reduzir a quantidade de habitat também leva à fragmentação dos remanescentes florestais, comprometendo a conectividade e reprodução de populações isoladas e impedido que a espécie possa rastrear condições adequadas no futuro”, aponta Zwiener.
O isolamento de fragmentos florestais torna as espécies mais vulneráveis, fragilizando os ecossistemas, especialmente devido à perda de variabilidade genética. No caso da araucária, o isolamento das populações impede que o pólen das árvores de uma localidade alcance árvores de outra ou que pinhões sejam carregados por espécies dispersoras de sementes, como a cutia, por exemplo, levando ao nascimento de novos pinheiros longe de seu local de origem. Esses tipos de restrição impedem a troca de genes diminuindo a capacidade da espécie de se adaptar a novas condições.
A preservação e o reestabelecimento dos chamados ‘corredores gênicos’, remanescentes de florestas conservadas que se interconectam, são importantes num contexto em que a maior parte da vegetação já foi afetada pela ação humana.
“Estes corredores representam faixas de habitat que desempenham um papel crucial ao conectar populações isoladas, promovendo o fluxo genético entre elas. Sua importância reside na preservação da diversidade genética, na melhoria da adaptabilidade das espécies e na garantia de sua sobrevivência a longo prazo. A manutenção desses corredores é essencial para a biodiversidade, oferecendo um ambiente propício para diversas formas de vida e facilitando a movimentação segura entre diferentes áreas”, completa Zwiener.
Estudo indica necessidade de aumentar áreas protegidas
As áreas de proteção ambiental são essenciais para salvaguardar espécies ameaçadas como a araucária. Nesses locais são proibidas por lei atividades danosas ao meio ambiente, sendo permitidas apenas pesquisas científicas e outras atividades controladas como o turismo ecológico. No Paraná são cerca de 26 mil quilômetros quadrados protegidos entre reservas, parques, unidades de conservação, entre outros tipos.
Essa área, contudo, se mostra insuficiente no caso das araucárias. Segundo os cenários traçados, 98% das regiões que permanecerão com clima adequado para a espécie em 2050 estão fora de áreas protegidas.
O impacto em remanescentes de florestas, lugares onde a árvore está efetivamente presente, também será considerável. Entre 32% e 44% deixarão de ter o clima adequado para o desenvolvimento da espécie.
Desmatamento e diminuição das áreas de conservação são problemas históricos
Além da diminuição da área de distribuição potencial, o estudo avaliou os impactos combinados do desmatamento e outras ações que diminuam os remanescentes florestais. Dessa forma, os cenários traçados apontam uma redução ainda mais drástica, entre 70 e 75%, com impactos alarmantes para a sobrevivência da araucária.
“O desmatamento além de reduzir a quantidade de habitat também leva à fragmentação dos remanescentes florestais, comprometendo a conectividade e reprodução de populações isoladas e impedido que a espécie possa rastrear condições adequadas no futuro”, aponta Zwiener.
O isolamento de fragmentos florestais torna as espécies mais vulneráveis fragilizando os ecossistemas, especialmente devido à perda de variabilidade genética. No caso da araucária, o isolamento das populações impede que o pólen das árvores de uma localidade alcance árvores de outra ou que pinhões sejam carregados por espécies dispersoras de sementes, como a cutia, por exemplo, levando ao nascimento de novos pinheiros longe de seu local de origem. Esses tipos de restrição impedem a troca de genes, diminuindo a capacidade da espécie de se adaptar a novas condições.
A preservação e o reestabelecimento dos chamados “corredores gênicos”, remanescentes de florestas conservadas que se interconectam, são importantes num contexto em que a maior parte da vegetação já foi afetada pela ação humana. Agem para conectar populações isoladas, deixando-as menos vulneráveis.
“A manutenção desses corredores é essencial para a biodiversidade, oferecendo um ambiente propício para diversas formas de vida e facilitando a movimentação segura entre diferentes áreas”, diz Zwiener.
Por que as mudanças climáticas são prejudiciais à araucária?
A araucária necessita de certas características específicas para se desenvolver. Os fatores identificados no estudo são solos bem drenados, temperaturas amenas, com médias entre 16ºC e 23 ºC e baixa variabilidade ao longo do dia, combinada com alta precipitação anual, entre mil e 2,5 mil milímetros por ano. A árvore também se adapta melhor a solos ricos em matéria orgânica e com grande atividade biológica, não ocorrem em solos aluviais que são periodicamente alagados ou com excesso de alumínio.
O aquecimento global afeta decisivamente algumas dessas características, não só com o aumento da temperatura, que pode tornar diversas regiões muito quentes para o desenvolvimento da araucária, como também afeta o regime de chuvas, outro ponto sensível para a espécie.
“Quando os padrões de temperatura e precipitação mudam e se tornam inadequados para a Araucária em uma determinada região, os indivíduos não empreenderão esforços reprodutivos, podendo sofrer alterações metabólicas, inclusive culminando em sua morte”, alerta Zwiener.
Indivíduos mais jovem são mais afetados por não terem a resistência necessária para suportar temperaturas elevadas. Isso leva, segundo o pesquisador, a um rápido declínio populacional delimitando a dispersão da espécie como um todo.
“Se a espécie não for capaz de rastrear as condições ambientais favoráveis, ou não tiver condição de se adaptar fisiologicamente, ela estará fadada a retrair para refúgios climáticos dentro da sua distribuição geográfica”.
O pesquisador explica que mudanças climáticas são comuns no planeta Terra, contudo elas acontecem de forma muito lenta, o que permite que as espécies se adaptem.
O lançamento de toneladas de gases que causam o efeito estufa na atmosfera desde a Revolução Industrial, processo que só vem se acelerando, está trazendo um aquecimento muito rápido da atmosfera em termos geológicos.
Mudanças que levaram dez a 20 mil anos no passado estão acontecendo em menos de 200 anos. Assim, as espécies não têm tempo de rastrear condições favoráveis durante o processo.
Edição: Camille Bropp e Rodrigo Choinski
Fonte: Ciência/UFPR