Emerson Luรญs Alberti*
O cenรกrio polรญtico brasileiro รฉ de reformas. Em pouco mais de um ano de governo, o presidente Michel Temer jรก enviou ao parlamento 83 propostas, entre elas as reformas do ensino mรฉdio, da Previdรชncia e a trabalhista, alรฉm da PEC que limita os gastos pรบblicos. Segundo levantamento do Centro de Documentaรงรฃo e Pesquisa da Cรขmara, deste total, mais da metade das propostas (54) รฉ de medidas provisรณrias, que tramitam em regime de urgรชncia.
No meio de tantas propostas, com o Projeto Crescer, anteriormente denominado de โPonte para o Futuroโ e divulgado ainda durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, Temer visava fomentar o investimento privado em รกreas estratรฉgicas do paรญs, tendo como contrapartida as privatizaรงรตes no setor elรฉtrico, concessรตes de infraestrutura e leilรตes para exploraรงรฃo de recursos naturais โ em especial aqueles ligados ao petrรณleo do prรฉ-sal. Com isso, almejava-se arrecadar R$ 24 bilhรตes sรณ em 2017, o que representava cerca de 15% de todo o dรฉficit primรกrio para 2017 e 2018, somado em R$ 159 bilhรตes. Mas, embora os leilรตes do petrรณleo tenham sido marcados pelo โeuforismoโ por parte do governo, do total de 287 blocos postos ร venda, apenas 37 (13%) foram arrematados e muitos receberam proposta รบnica, o que gerou uma renda de R$ 3,84 bilhรตes (pouco mais de 2,4% do dรฉficit primรกrio).
Em paralelo aos leilรตes, o governo editou a Medida Provisรณria 795/2017, que instituiu um regime tributรกrio especial para as atividades de exploraรงรฃo, desenvolvimento e produรงรฃo de petrรณleo, de gรกs natural e de outros hidrocarbonetos fluidos. Essa medida de descenso isenta as empresas produtoras de petrรณleo de pagar impostos que, segundo especialistas, podem variar de R$ 300 bilhรตes a R$ 1 trilhรฃo em um perรญodo de 25 anos โ o equivalente a R$ 12 bilhรตes por ano, na melhor das hipรณteses.
Baseado nesse sofismo matemรกtico equacionado pelo governo, fica evidente que o cobertor ficou curto. Alรฉm de perdermos as receitas dos impostos devido ร benevolรชncia do governo, aumentaremos a sujeira em nossa matriz energรฉtica com mais de 75 bilhรตes de toneladas de COย 2que, se librados na atmosfera, acabariam com a chance do mundo de limitar o aquecimento global a 1,5 ยบC โ sem considerar que o Brasil jรก ocupa a 7.ยช posiรงรฃo no ranking dos paรญses mais poluidores do mundo.
A benevolรชncia fiscal nรฃo atinge, por exemplo, o segmento das energias renovรกveis. Se quisermos cumprir as metas estabelecidas no Acordo de Paris, de reduzir 30% das emissรตes atรฉ 2020, o governo precisa rever as polรญticas para o setor de energia. Nรฃo serรฃo apenas os leilรตes de novos empreendimentos hรญdricos, eรณlicos, biomassa ou solares que compensariam a benevolente MP 795/2017. Seria, no mรญnimo, coerente estendรช-la tambรฉm ร s energias limpas.
Por fim, vem o impacto no consumidor, pois alguรฉm tem de pagar pela benevolรชncia! Pagaremos uma conta multidimensional sem precedentes neste paรญs: educaรงรฃo, saรบde e seguranรงa, entre outros. A conta de energia, que continua uma das mais caras do mundo, mesmo com a nossa matriz energรฉtica sendo a mais limpa do planeta, continuarรก alta. Prova disso รฉ o Comitรช de Monitoramento do Sistema Elรฉtrico (CMSE) decidir manter a operaรงรฃo de tรฉrmicas mais caras, apesar de uma melhora na expectativa de chuvas โ a usina hidrelรฉtrica de Itaipu abriu suas comportas para escoar o excedente de รกgua em seus reservatรณrios.