Josรฉ Pio Martins*
Para os liberais, o primeiro patrimรดnio do ser humano รฉ seu corpo. O segundo รฉ o direito de apropriar-se livremente dos frutos de seu trabalho, que รฉ produzido por seu corpo e mente. O instrumento de que dispรตe a humanidade para garantir a materializaรงรฃo desses dois patrimรดnios individuais รฉ o direito de propriedade. Se os frutos do trabalho forem maiores que o necessรกrio para a manutenรงรฃo da vida do corpo, o excedente pertence a quem o produziu, que pode acumulรก-lo em forma de propriedade de ativos tangรญveis e intangรญveis.
Tomemos o exemplo de um compositor e cantor. Por seus dons ele escreve letras, compรตe a melodia e interpreta cantando. Se legiรตes de pessoas apreciam as canรงรตes, enchem seus coraรงรตes de alegria e se dispรตem a pagar por isso, o artista รฉ beneficiado com renda acima de suas necessidades para viver. Com o excedente, ele adquire ativos em forma de bens e direitos e deles toma posse, detรฉm a propriedade e o domรญnio, podendo assim usufruir da forma que lhe aprouver.
Gracchus Babeuf foi militante polรญtico na Franรงa do sรฉculo 18 e tornou-se um dos expoentes da โrevoluรงรฃo dos iguaisโ, movimento cujo objetivo era empobrecer a burguesia em nome da ascensรฃo social dos pobres. Seria uma espรฉcie de movimento socialista. O destino de Babeuf foi a guilhotina em 1797. Para comeรงar, o problema รฉ que Deus nรฃo รฉ socialista e nรฃo fez os homens iguais. Uns sรฃo geniais, outros sรฃo medรญocres. Uns se esmeram em cultivar virtudes, outros chafurdam nos vรญcios. Uns se dedicam ao trabalho duro, outros sรฃo preguiรงosos. Uns sรฃo รฉticos, outros sรฃo bandidos.
Consideradas tantas diferenรงas โ sem entrar no mรฉrito das razรตes por que os seres humanos sรฃo diferentes โ, atribuir rendas e recompensas iguais a talentos, habilidades e esforรงo diferentes รฉ impraticรกvel, alรฉm de ir contra o interesse de todos. Aquele artista genial, que ganha muito porque agrada milhรตes de pessoas, nรฃo teria o mesmo empenho se lhe fosse negado o direito de se apropriar dos frutos de seu trabalho. Para que trabalhar, se um medรญocre preguiรงoso tivesse a mesma recompensa? Na prรกtica, o igualitarismo, antes que uma dรกdiva, รฉ uma puniรงรฃo.
Outro aspecto interessante รฉ que as pessoas nรฃo desejam comportamento padronizado. A diferenรงa รฉ a essรชncia, e desejos diferentes sรฃo a essรชncia de nรณs, humanos. Se me perguntam por que nรฃo sou um rico empresรกrio, posso simplesmente responder: quem disse que eu desejo isso? Posso pensar que o megaempresรกrio รฉ um escravo de tantas posses, nรฃo รฉ dono de seu tempo e que sou mais feliz que ele, pois, nรฃo possuindo tanto, sinto-me mais livre e menos perturbado pelos problemas.
O objetivo, portanto, nรฃo deve ser a igualdade de posses para todos os seres humanos. O objetivo deve ser outro; deve ser uma situaรงรฃo social em que aqueles que tรชm menos consigam viver dignamente, alimentados e abrigados, com saรบde e educaรงรฃo. Babeuf comentou um equรญvoco. O que ele desejava era minimizar o sofrimento humano naqueles anos tumultuados da Revoluรงรฃo Industrial, quando todas as naรงรตes eram pobres. Era uma boa causa. Mas ele lutou mais contra a burguesia que a favor dos pobres.
Para retirar uma parte de quem tem e distribuir a quem nรฃo tem, a humanidade inventou o Estado e seu braรงo executivo, o governo. Sรณ que o Estado, com o tempo, tornou-se ele prรณprio um problema, pois, com suas estruturas inchadas, burocracias caras, corrupรงรฃo elevada e ineficiรชncia gerencial, passou a prejudicar a produรงรฃo e ser pouco eficiente na distribuiรงรฃo. O setor pรบblico tornou-se concentrador de renda. Portanto, antes de aumentar impostos, cumpre consertar, ou ao menos reduzir, os defeitos do Estado. Se isso nรฃo for feito, os contribuintes ficarรฃo mais pobres, e os pobres nรฃo ficarรฃo mais ricos.