Quase no final da segunda década do século XXI algumas questões importantes ainda não foram resolvidas a contento, e o pleno direito das mulheres está entre elas, embora já tenhamos conquistado muito: melhora da inserção da mulher no mundo do trabalho em cargos de poder/decisão, educação não sexista, serviços de saúde adequados; e também em contextos mais específicos, ou individuais, como o aumento de autoestima e autonomia, reorganização do trabalho doméstico, e outros.
Igualdade de direitos significa iguais condições de partida e de acesso. Se em grande parcela do ocidente as mulheres já ocupam pelo menos metade das vagas em universidades, em muitos países e continentes a educação de mulheres é dificultada ou proibida. E mesmo em nossa parte do mundo, as mulheres que se formam em universidades têm, geralmente, salários inferiores aos de homens com a mesma qualificação e na mesma função; mulheres e homens são diferentes, felizmente, diriam muitos, têm distintas qualidades e defeitos, e isso de forma alguma implica em inferioridade ou superioridade. Porém, uma visão equivocada atribui a cada sexo características definitivas e irrecorríveis: homens seriam fortes, racionais, ativos; mulheres, sensíveis, emotivas, passivas. Como toda generalização, esta não se sustenta na realidade, sendo possível encontrar exceções em ambos os lados.
No entanto, é sim verdadeiro que mulheres, talvez pela característica da maternidade, normalmente tem sido mais sensibilizadas pelo “outro”, pelos mais desfavorecidos, por todos aqueles que não tem voz e não podem, portanto, defender-se, o que inclui crianças e animais.
Na área de proteção animal, aliás, a presença feminina tem sido relevante desde muitos anos: em uma crônica publicada em 1919, Lima Barreto descreve a rapidez com que mulheres se organizam em sua vizinhança para prender e esconder os cachorros que estão na rua antes da passagem de uma carroça que os recolhe para sacrifício. O autor não protesta contra o poder público municipal pela tentativa de retirar os cães das ruas, mas escreve exatamente em reconhecimento à ação eficaz das mulheres que dificultam a captura desses animais (“A carroça dos cachorros”); e passados quase cem anos, um cronista de hoje não teria dificuldades para encontrar idêntica situação – embora sem o mesmo veículo – na maioria das cidades brasileiras.
A superpopulação de cães e gatos é um problema mundial que gera sérios transtornos para os habitantes dos locais em que não é enfrentada de maneira efetiva. A falta de manejo adequado desses animais provoca doenças que podem ser transmitidas ao homem: raiva, toxoplasmose, leishmaniose, proliferação de parasitas como pulgas, sarna, carrapatos, além de agressões, acidentes de trânsito, poluição por dejetos, poluição sonora e muitos outros inconvenientes.
No entanto, hoje sabemos que procedimentos de captura e extermínio em massa de animais sadios costumam ser pouco efetivos, de valor elevado, e podem custar muito em termos de imagem para governantes, como já aconteceu anteriormente em campanhas eleitorais. A gestação de cadelas e gatas é curta (em torno de 60 dias), tendo imenso potencial para produzir proles numerosas, que atingem a maturidade sexual a partir dos seis meses de idade, e assim o espaço antes ocupado por um animal removido é rapidamente preenchido por outros.
Além de pouco efetivas, atividades de eliminação implicam na manutenção de uma estrutura permanente e onerosa para realizá-las, envolvendo logística, agentes públicos municipais e equipamentos. Também desgasta muito o poder público a forma pela qual o sacrifício de cães e gatos deve ser promovido, por atrair a justa ira de entidades voltadas aos direitos humanos e animais. As práticas de algumas prefeituras que patrocinam a esterilização de animais de rua mostram-se muito melhores no controle de suas populações, e de modo mais humano do que a eliminação pura e simples.
Tratar bem nossos companheiros de planeta é uma verdadeira obra de engenharia comportamental, de planejamento e execução bastante complexos, porque implica mudanças em práticas consolidadas de várias esferas governamentais, de médicos veterinários e de proprietários de animais. Mulheres tem sido ativas nesta área, entre outras nas quais se destacaram sempre, porém raramente recebendo o reconhecimento de que, independente do “bom coração”, estiveram à frente de seu tempo. Há muito a conseguir: queremos, lutamos e obteremos igualdade real de direitos para todos, em todos os lugares.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.