Como eu lido com uma decisão do meu chefe ou da empresa que eu não concordo? Não há resposta fácil para essa pergunta, mas considere alguns princípios.
Se essa decisão for legal, ou seja, dentro da lei, eu preciso acatar, não importa se a decisão está certa ou errada. Eu posso conversar com meus superiores, apresentar pontos de vista, mas, no final do dia, o gestor é a “voz do corporativo”. Em outras palavras, as decisões que ele toma, partem do seu papel na empresa. Por outro lado, quando o gestor age visando o seu próprio interesse, e não o interesse maior da empresa, ele está traindo esse papel.
Alguns autores de Harvard, em particular, Lawrence Kohlberg, pesquisaram e qualificaram as premissas que as pessoas usam para a tomada de decisão e a identificaram como Estágios do Amadurecimento Moral. O interessante dessa teoria (que na verdade começou com Jean Piaget, psicólogo suíço que formulou a teoria do desenvolvimento cognitivo) é que de acordo com o raciocínio moral de um indivíduo ou grupo, a tomada de decisão será diferente e, naturalmente, seus resultados também serão, em outras palavras, a maturidade do raciocínio ético ou moral interfere nos resultados, em particular, no longo prazo.
Os Estágios (seis) podem ser agrupados em três níveis: Pré-Convencional, Convencional e Pós-Convencional. No Estágio Pré-Convencional as pessoas agem pensando em como evitar serem pegas e a punição. Pensam exclusivamente em seu interesse pessoal (“… e o que eu ganho com isso?”).
No Estágio Convencional, as pessoas agem de acordo com as normas sociais e podem colocar sua atenção no seu chefe imediato ou no time, ou mais maduros, sobre o líder corporativo e à empresa. Reconhecem e obedecem às normas. Já no Estágio Pós-Convencional, elas fazem o que é certo por consciência e princípios, mesmo que ninguém esteja olhando, e muitas vezes fazem coisas que vão prejudica-los, mas é o certo a fazer.
Assim, no Estágio Pré-Convencional estão os mercenários e no Pós-Convencional os missionários.
Mas vale lembrar que a ambiência organizacional é determinante para entendermos como esses diferentes níveis impactam em seu resultado. Por exemplo, quando uma pessoa não é madura eticamente e entra numa empresa madura, onde as pessoas agem e cobram que outros ajam corretamente, ela é obrigada a subir o nível de seu comportamento moral, ainda que, por dentro, não tenha mudado o seu raciocínio moral. Então, vemos pessoas, que aqui no Brasil jogam lixo no chão, mas acham lindo ver as ruas limpas de Cingapura, onde a multa por jogar papel no chão é de SGD$ 1.000,00 (mil dólares de Cingapura). O ambiente a ‘força’ a um novo patamar de comportamento moral e, mesmo que ela não tenha ‘se convertido’, é mais vantajoso agir assim.
Por outro lado, quando uma pessoa de um nível elevado de raciocínio e comportamento moral entra numa empresa com níveis pré-convencionais, ela se sente sequestrada e sofre ao ver coisas erradas e não poder fazer muita coisa. Vi esse sofrimento com amigos da Petrobras, pessoas de alto nível técnico e moral, convivendo com situações dramáticas que foram expostas pela Operação Lava Jato. Muitos adoeceram ou deprimiram. Algumas escondiam o crachá verde quando saiam para almoçar ou evitavam falar que eram da Petrobras em cursos no exterior. Isso é um tipo de assédio ainda não qualificado.
A maturidade do raciocínio moral pode ser, de alguma forma, medida pela escala de Kohlberg e faz toda a diferença. Mas parece que maturidade ética é como uma gota d’água em meio a um mar de absurdos que vemos nos noticiários diariamente.
Por exemplo, recentemente soubemos que o presidente do DETRAN de Minas Gerais, César Augusto Monteiro Alves Junior, após receber 120 pontos na carteira de motorista teve que abrir um processo contra si próprio para apurar a existência dessas infrações em sua CNH. Mesmo que ainda existam etapas a serem cumpridas até se confirmar essa denúncia, a pergunta é até que ponto ele conseguirá liderar dentro da corporação? Neste caso, até que se prove o contrário, fica explícito o proveito pessoal que ele teve enquanto chefe maior da entidade, ferindo o seu papel de líder. Os pontos estão lá! Não há dúvida! Então, por que ele permanece no cargo? Como ficam as pessoas com nível Pós-Convencional de maturidade do DETRAN MG? A resposta é: humilhadas
Outro exemplo que tem movimentando a imprensa e se encaixa perfeitamente no que estamos falando é o caso da quase ministra do Trabalho Cristiane Brasil, que teve a posse suspensa pela Justiça após vir a público a existência de duas condenações… por causas trabalhistas. Para o juiz que proibiu a posse, seria uma afronta à moralidade a nomeação da deputada para o cargo. Creio que essa percepção de afronta é geral na população, mas o presidente Michel Temer o nome dela representa o apoio de seu pai, Roberto Jefferson, presidente Nacional do PTB, que é importante na aprovação da reforma da previdência. Nitidamente a ética dá lugar ao interesse, marca do estágio pré-convencional. Por mais vil e inaceitável que isso pudesse parecer em um país sério, no passado do Brasil nada disso seria questionado.
Esses dois casos deixam claro que hoje vivemos em uma sociedade em que a ideia do “faça o que eu mando e não faça o que eu faço” já está ultrapassada. Então, quando um líder age de maneira não ética, ilegal, ou corrupta, ele passa a ser considerado um mercenário que sobrevive à custa da pirataria.
Vale lembrar que os prejuízos causados pelos mercenários embutem um custo oculto muito alto, pois, não é só a perda do dinheiro que ele roubou, tem os efeitos do mau serviço que prestou, da má gestão que foi feita e a mensagem tóxica sobre as pessoas que participaram do processo.
Há uma lesão que não pode ser medida na esperança e isso adoece o ser humano.
Isso é o oposto do líder que é considerado um missionário: alguém que pensa no interesse maior para o qual ele foi comissionado (recebeu a missão conjuntamente). O líder missionário, expressão emprestada do meu amigo Marco Tulio Zanini (FGV), constrói sua reputação, servindo aos outros e agregando valor em sua jornada.
O efeito prático dos Estágios de Amadurecimento Moral pode ser visto quando uma pessoa sai da empresa e o que falam sobre sua saída pelos corredores. Quando um (a) “líder Pós-Convencional” sai, as pessoas sentem falta e falam “Ai, meu Deus…”pensando em como será difícil substituí-lo(a).
Já no caso do (a) “Líder Pré-Convencional” só falam uma coisa: “Graças a Deus!”.
* Roberto Aylmer é médico, professor internacional da Fundação Dom Cabral e consultor em gestão estratégica de pessoas.