O julgamento de homicídio no trânsito pelo júri popular

Rodrigo Faucz Pereira e Silva*

 

Nos dias 27 e 28 de fevereiro o ex-deputado estadual Luiz Fernando Ribas Carli Filho foi julgado perante o Tribunal do Júri. Carli Filho era o motorista que, na madrugado do dia 7 de maio de 2009, dirigia o veículo Passat que colidiu com o automóvel Honda Fit, matando instantaneamente as vítimas Gilmar Rafael Souza Yared e Carlos Murilo Almeida. A condenação por homicídio doloso com pena de 9 anos e 4 meses em regime fechado está sendo considerada por parte da imprensa como um divisor de águas para os crimes de trânsito. No entanto, algumas reflexões são necessárias.

Na esfera judicial os efeitos dessa decisão serão limitados pelo próprio sistema jurídico brasileiro. Dizer que a partir de agora crimes de homicídio no trânsito em que o motorista esteja bêbado e em alta velocidade serão considerados como dolosos (isto é, com intenção de matar), não passa de um exercício de adivinhação, já que cada caso possui suas peculiaridades, não havendo circunstâncias e motivações idênticas. Um homicídio nunca é igual ao outro, premissa válida para os acidentes de trânsito e, claro, para os homicídios no trânsito. O caso concreto sempre estará sujeito as mais diversas interpretações, e o Direito não comporta fórmulas exatas. Além do mais, sempre que casos de homicídio de trânsito forem submetidos a julgamento perante o Tribunal do Júri, estarão sujeitos a uma decisão não fundamentada e secreta. Explico: como os jurados julgam por intermédio de votos, respondendo a questões elaboradas pelo juiz presidente fazendo uso de cédulas “sim” e “não”, podem optar livremente entre os argumentos e discursos sustentados em plenário pelas partes (acusação e defesa), não estando, em princípio, limitados às provas produzidas.

Ademais, decisões de primeira instância, como essa do Tribunal do Júri de Curitiba, não se consubstanciam como “decisões reiteradas”. A sentença condenatória do ex-deputado, apesar de ser um precedente de destaque, não se configura como uma decisão a ser utilizada obrigatoriamente em casos análogos. Isso porque não é possível aferir se os jurados concluíram que as circunstâncias caracterizaram dolo eventual, ou se a conduta de Carli Filho, mesmo que por culpa consciente, mereceu uma maior reprovabilidade por conta da gravidade do delito ou, até mesmo, pela pena baixa que sobreviria a condenação por culpa.

A defesa do ex-deputado adiantou que irá recorrer da sentença condenatória, o que fará com que o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e, eventualmente, o Superior Tribunal de Justiça e até mesmo o Supremo Tribunal Federal se manifestem. Contudo, pelo princípio constitucional da soberania dos veredictos, em tese, não se adentrará no mérito da decisão dos jurados (na interpretação entre dolo eventual e culpa consciente).

Todavia, é inegável reconhecer a relevância do caso, o que se deve também pelos aspectos extrajurídicos da decisão. A indignação que o crime causou na sociedade, por se tratar de um deputado que estava dirigindo em alta velocidade e embriagado, fez com que um problema gravíssimo entrasse em discussão. Pesquisas indicam que o alto número de vítimas em acidentes de trânsito derivados da imprudência de motoristas impacta diretamente em fatores como a expectativa de vida e o desenvolvimento econômico da nação. Isso sem contar, obviamente, com o sofrimento de familiares e dos próprios envolvidos.

Sendo assim, ao despertar um sentimento de identificação e de aflição em comum, a repercussão obriga a sociedade a refletir. É uma oportunidade de pedagogia social a favor de um trânsito com mais segurança e respeito. Como bem disse o Dr. Daniel Ribeiro Surdi de Avelar ao ler a sentença condenatória, o caso do ex-deputado é “insuficiente para solapar sozinho uma ampla cultura de violência no trânsito”, porém há a expectativa que a comoção surgida auxilie “a mudar um hábito de violência no trânsito e a ser um instrumento de consenso para uma sociedade minimamente melhor”. Enfim, ainda é cedo para entender o legado deste julgamento, mas, sendo bastante otimista, ao menos se espera que sirva de exemplo para um maior respeito às regras de trânsito e às leis em geral.

*Rodrigo Faucz Pereira e Silva é advogado criminal e professor de Processo Penal do curso de Direito da Universidade Positivo (UP).

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