[ARTIGO] Humanidades, quem precisa delas? / Daniel Medeiros*

Um projeto de lei sugere que as Universidades Pรบblicas nรฃo ofereรงam mais cursos de Humanas – Filosofia, Histรณria, Geografia, Sociologia, Artes e Artes Cรชnicas – afirmando que esses cursos sรฃo โ€œbaratos e facilmente realizรกveis em universidades privadas, presencialmente e ร  distรขnciaโ€. Diz ainda que “Nรฃo รฉ adequado usar dinheiro pรบblico e espaรงo direcionado a esses cursos, pois o paรญs precisa de mais mรฉdicos e cientistas.โ€

Renato Janine Ribeiro, professor titular de ร‰tica e Filosofia Polรญtica da USP, discorda. Para ele, quando da organizaรงรฃo de um curso de Humanidades naquela instituiรงรฃo, afirmou:ย Nem a universidade deve replicar o mercado, nem adianta escolher uma profissรฃo pensando nos excelentes espaรงos de trabalho que ela proporcionarรก. Isso depende tanto de como cada um vai se inventar, no correr de sua vida. (โ€ฆ) O que a Universidade pode fazer รฉ garantir uma formaรงรฃo de uma base sรณlida o bastante para que, em meios ร s mudanรงas, o aluno(a) saiba navegar.ย E conclui: Liรงรตes de moral nรฃo adiantam. Mas conhecimento, sim. ร‰ nele que devemos apostar.

Imaginar que a formaรงรฃo das Humanas atrapalhe o paรญs, gastando recursos escassos sem retorno garantido, รฉ como achar que de nada adianta investir em Saรบde, jรก que todos vamos mesmo morrer. Enquanto estamos vivos, vivemos juntos, em sociedade. E precisamos entender como viver da melhor maneira possรญvel. Por isso, a Filosofia, hรก 2500 anos, auxilia-nos fazendo as perguntas com as quais refletimos sobre essa existรชncia ย frรกgil, sem ensaio ou chance de repetir. Por isso, a Histรณria nos lembra quando, no passado, desastres sociais ou econรดmicos ocorreram, dando-nos a chance de pensar duas vezes antes de agir de maneira semelhante e reencarnar assim uma farsa ou uma tragรฉdia; a Sociologia, por sua vez, explica-nos que as desigualdades que enxergamos em cada esquina nรฃo sรฃo naturais e que podem ser mitigadas com entendimento, consenso e aรงรฃo; a Antropologia avisa-nos que as diferenรงas de cada um de nรณs tambรฉm sรฃo produzidas socialmente e que nรฃo precisam ser barreiras, mas pontes; a Polรญtica explica as formas de dominaรงรฃo, muitas vezes por meio de regras democrรกticas, outras vezes, imposiรงรตes autoritรกrias, e como reconhecer quando รฉ uma e quando รฉ outra.

Somos seres eminentemente sociais e construรญmos formas de convivรชncia e sobrevivรชncia que sรฃo sempre sociais. O indivรญduo que afirmamos ser sรณ existe porque hรก o olhar do outro a nos reconhecer e aceitar. Se tivรฉssemos crescido em uma ilha solitรกria, nรฃo saberรญamos sequer se somos altos ou baixos, gordos ou magros, brancos ou pretos. O olhar do outro nos diz quem somos e a linguagem รฉ a forma de afirmarmos e respondermos a esse contato. O resultado disso รฉ a sociedade que construรญmos. Querer rebaixar a importรขncia de uma formaรงรฃo Humana รฉ nรฃo desejar que possamos nos entender. Talvez aรญ resida a intenรงรฃo da proposta: deixar-nos indefesos e assustados. Quando isso acontece, tornamo-nos violentos e destruidores. Para muitos, essa รฉ a mรบsica que querem ouvir.

Aliรกs, falando em mรบsica: no filme Mr. Holland (Meu Adorรกvel Professor, 1995), o diretor da escola informa ao professor que nรฃo hรก mais verbas para o programa de mรบsica e por isso precisarรก encerrรก-lo. O professor entรฃo responde:ย “faรงa isso! E logo nรฃo haverรก mais fรญsica, nem quรญmica, nem matemรกtica, porque nรฃo haverรก alunos.โ€

Mais obtuso ainda รฉ acreditar que as humanas nรฃo servem para o โ€œmercadoโ€, para as coisas prรกticas e รบteis e, portanto, as รบnicas que interessam. Lembro-me entรฃo do obituรกrio do economista Alfred Marshall, escrito por John Maynard Keynes, que diz : โ€œO economista excelente deve alcanรงar um elevado padrรฃo em vรกrias รกreas diferentes e combinar talentos que raramente sรฃo encontrados juntos. Deve ser matemรกtico, historiador, estadista, filรณsofo ? em algum grau. Deve entender os sรญmbolos e falar em palavras, contemplar o particular em termos do geral e tocar o abstrato e o concreto no mesmo voo de pensamento. Ele deve estudar o presente ร  luz do passado para os propรณsitos do futuro. Nenhuma parte da natureza do homem ou de suas instituiรงรตes deve estar inteiramente fora das suas consideraรงรตesโ€.

Ah, vocรช nรฃo sabe quem foram Keynes e Marshall? Nรฃo se preocupe. ร‰ sรณ perguntar para algum bom profissional das Humanas.

*Daniel Medeiros รฉ Doutor em Educaรงรฃo Histรณrica pela UFPR e รฉ professor do Curso Positivo, de Curitiba (PR).

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