sábado, 18 janeiro 2025
20.7 C
Curitiba

Saque do FGTS do empregado demitido: bom pra quem?

Marcelo Melek*

O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) foi criado na Constituição de 1946 como regime alternativo à estabilidade que os empregados tinham ao completar dez anos de serviço ao empregador. Esse regime de estabilidade era muito criticado pela falta de efetividade, porque muitas vezes o empregador não permitia que o seu empregado completasse os dez anos exigidos, sofrendo a dispensa antes disso. Logo, em vez de ser uma garantia, acabava virando uma penalidade para aquele que estava prestes a completar dez anos de trabalho.

Nesse sistema, havia duas opções: pertencer ao regime mencionado ou, então, renunciar ao direito à estabilidade decenal. No entanto, a Constituição Federal de 1988 elevou o FGTS a um direito fundamental dirigido a todos os empregados, em substituição definitiva e automática da estabilidade decenal. O valor recolhido pelo empregador a título de FGTS objetivou formar uma espécie de poupança forçada a ser entregue ao empregado na dispensa involuntária, isto é, quando perdesse seu emprego ou em outras hipóteses excepcionais estabelecidas na Lei 8.036/90.

O referido fundo é constituído por saldos de contas vinculadas aos trabalhadores e, ainda, de outros recursos incorporados. Os recursos arrecadados se destinam tanto ao trabalhador, no caso de saque, quanto ao desenvolvimento e fomento de programas econômicos e sociais promovidos pelo governo. Contudo, algumas situações fugiram ao escopo e alcance da previsão legal. A mais relevante delas é quando um empregado, não tendo mais o desejo de manter-se no trabalho, por diversos motivos, procura seu empregador e propõe que a empresa o demita para que possa sacar o FGTS e receber o seguro-desemprego, comprometendo-se a devolver a multa de 40% sobre o saldo existente do FGTS.

A empresa resiste a essa proposta, comumente chamada de “acordo”, já que é uma fraude ao sistema do FGTS e ao seguro-desemprego. No entanto, por muitas vezes a recusa da empresa não é compreendida pelo empregado, e a partir de então a relação laboral passa a ser conflituosa. O ambiente de trabalho fica comprometido diante desta situação, fazendo com que o empregado deixe de trabalhar de forma adequada e satisfatória na esperança de ser dispensado e, assim, finalmente possa se apropriar do dinheiro. Na maioria das vezes, tudo isso é fruto de uma situação de desespero do empregado que necessita urgentemente de dinheiro, pelas mais variadas – e morais – razões, como para arcar com custos médico-hospitalares, hipóteses de saque não contempladas na lei.

A reforma trabalhista previu a legalização deste “acordo” exatamente para evitar essa situação. O artigo 484-A da CLT prevê que, no caso de mútuo acordo na dispensa, o empregado pode sacar até 80% do valor. Apesar da tentativa de resolver a situação em questão, acredita-se que tal previsão legal não gerará os resultados esperados, seja porque o empregado não poderá sacar na íntegra seu FGTS, seja porque não estará habilitado a receber o seguro-desemprego.

Nesse contexto, surgiu o projeto de lei que permite que o empregado possa sacar integralmente o valor do FGTS depositado em sua conta vinculada no caso de pedir demissão. A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado deu parecer favorável com a aprovação do projeto; se não houver recurso para o tema ser levado ao plenário da Casa, seguirá para apreciação pela Câmara dos Deputados.

A modificação pretendida pelo projeto resolve em partes a questão do empregado que deseja sair do emprego por sua iniciativa sem prejuízo de receber integralmente o FGTS. Teria, assim, maior liberdade e mobilidade na vida laboral. Seria uma saída legal para a fraude havida e provocada pelo “acordo” feito pelas partes. Além disso, mesmo na hipótese de não querer utilizar o valor do fundo, o beneficiário poderia aplicar esse dinheiro – o que lhe renderia muito mais do que comparado com o rendimento dado pelo sistema do FGTS.

Mas, como direito fundamental e de caráter indisponível ao empregado – isto é, direito de que o empregado não pode abrir mão –, seria desejável ou possível antecipar a movimentação do valor? Não há predomínio, no Brasil, de cultura efetiva de educação financeira ou planejamento financeiro de médio e longo prazo; as pessoas poderiam ser levadas a gastar todo o dinheiro que, mais tarde, poderia ser utilizado com a finalidade concebida pelo FGTS. O?trabalhador ainda poderia, em caso de desespero ou como forma mais fácil de obtenção de dinheiro, preferir o desemprego para ter dinheiro disponível, o que levaria a uma situação precária e perigosa no atual cenário de desemprego e crise econômica.

Outra questão que merece indagação é se o sistema do FGTS estaria preparado para não contar com esses valores, tendo em vista que, enquanto estiverem depositados, são utilizados para programas sociais e de desenvolvimento econômico do país, o que na prática representa uma diminuição da receita do Estado.

Sob a perspectiva econômica, a medida cai bem e em boa hora, pois mais pessoas com mais dinheiro para gastar poderiam animar o mercado, ainda que esse ânimo seja artificial e provocado pela utilização de “poupança”. Superadas todas essas questões, deve-se reconhecer que o projeto de lei em questão é benéfico para o empregado em um primeiro momento e no curto prazo, mas no médio e longo prazo o próprio trabalhador poderá sofrer com as consequências de sua escolha. Espera-se que seja a mais adequada e sensata possível.

*Marcelo Melek, é pós-doutorando em Direito, mestre em Educação e professor do curso de Direito da Universidade Positivo (UP).

Destaque da Semana

Drenagem linfática vai além da estética: conheça benefícios e indicações T

écnica ajuda a combater a celulite e o inchaço,...

Novas diretrizes sobre prevenção de AVC ressaltam riscos em mulheres

Documento cita a importância de monitorar o uso de...

Jovens que fumam “vape” têm pior desempenho em exercícios físicos

Estudo britânico mostra que tanto fumantes de cigarro eletrônico...

Artigos Relacionados

Destaque do Editor

Popular Categories

Mais artigos do autor