Josรฉ Pio Martins*
Diante de projetos absurdos apresentados por parlamentares no Congresso Nacional, Roberto Campos afirmou certa vez: โO mal do parlamento รฉ que todos que vรชm para cรก querem fazer alguma coisaโ. Em campanhas eleitorais no Brasil, รฉ comum os candidatos ร reeleiรงรฃo elogiarem a si mesmos em funรงรฃo da quantidade de projetos de lei por eles apresentados. Tambรฉm รฉ comum criticar os adversรกrios que, durante o mandato, nรฃo tenham apresentado nem um projeto. Como ninguรฉm รฉ cobrado sobre a qualidade e a viabilidade das propostas, fica a impressรฃo de que parlamentar bom รฉ aquele que apresenta muitos projetos de lei.
Atualmente, hรก muitas propostas paradas nas gavetas do parlamento, as quais vรฃo do absurdo ao ridรญculo, do inviรกvel ao desnecessรกrio, do jocoso ao trรกgico. Atรฉ aรญ, se nรฃo andarem nem forem aprovadas, nรฃo hรก maiores problemas, alรฉm de desperdรญcio de tempo e dinheiro pรบblico para sustentar uma mรกquina de fabricar bobagens. O problema fica sรฉrio quando algum projeto de lei absurdo escapa do hospรญcio propositรณrio e vira lei.
Vale relembrar alguns projetos apresentados na Cรขmara dos Deputados, dignos de serem esquecidos. Herรกclito Fortes (PSB-PI) propรดs que os ventos sejam patrimรดnio da Uniรฃo, para esta cobrar royalties sobre a geraรงรฃo de energia eรณlica. Silvio Costa (PSC-PE) propรตe que todo ciclista seja obrigado a emplacar sua bicicleta e pagar licenciamento. Pastor Franklin (PTdoB-MG) quer que mulher ou marido traรญdo possam pedir indenizaรงรฃo em caso de violaรงรฃo de deveres conjugais โ uma espรฉcie de bolsa-adultรฉrio.
O povo latino tem enorme disposiรงรฃo para emitir opiniรฃo e verdadeiro desprezo pelo conhecimento. Por aqui, hรก grande apreรงo por tรญtulo, cargo, crachรก, alรฉm da mania de opinar sobre tudo. ร comum ver alguรฉm opinando sobre o que nรฃo conhece, nรฃo estudou e nรฃo pesquisou, mesmo que o assunto seja complexo e fora de sua รกrea de conhecimento. Sรฃo pessoas que falam com a certeza e a convicรงรฃo que a ignorรขncia confere. ร como dizia Will Rogers: โTodos somos ignorantes, apenas em assuntos diferentesโ.
Lendo os debates e entrevistas sobre temas como a reforma tributรกria, reforma da Previdรชncia, tratados internacionais de comรฉrcio e regulaรงรฃo do sistema bancรกrio, รฉ assustador o grau de desconhecimento que muitos parlamentares apresentam. Se fosse conversa de boteco, seria apenas perda de tempo sem consequรชncias. O problema รฉ que esses senhores vรฃo tomar decisรตes e votar as matรฉrias. O que salva o Brasil de aprovar leis ruins sรฃo as gavetas do Congresso, onde morre a maior parte das bobagens.
Um ex-presidente, em entrevista quando no exercรญcio do mandato, disse: โEu nรฃo consigo ler muitas pรกginas por dia, dรก sono. Vejo televisรฃo, e quanto mais bobagem, melhorโ. Quem chega a presidente de uma naรงรฃo de 208,5 milhรตes de habitantes deveria no mรญnimo se envergonhar de dizer que nรฃo lรช e nรฃo gosta de ler. Mas nรฃo: isso รฉ dito sem constrangimento, como se fosse um hรกbito exรณtico (ressalva: nรฃo importa a que partido pertenรงa, qualquer presidente que diga isso merece reprovaรงรฃo).
Para alguรฉm intelectualmente honesto, a ignorรขncia sobre um assunto deveria levar a duas consequรชncias: uma, a humildade para dizer โnรฃo seiโ e abster-se de opinar; outra, dar-se ao trabalho de consultar, pesquisar e adquirir conhecimento, principalmente sobre matรฉria que tenha de votar e impor seus รดnus sobre a sociedade. A leitura, a educaรงรฃo e a cultura nรฃo existem apenas para fins utilitรกrios, como arrumar emprego ou ganhar dinheiro, mas como meio de o ser humano se elevar acima dos animais e fazer jus ร linguagem, consciรชncia e inteligรชncia.