Saúde para quem precisa: passado, presente e futuro

Gabriel Schulman*

“Haja hoje para tanto ontem”, brinca o poeta Paulo Leminski. É tempo de pensar o presente e preparar o futuro da saúde. A partir da Constituição de 1988, a implementação da democracia se fez acompanhar da ampliação tanto do acesso à Justiça quanto do alcance do direito à saúde.

Estes fatores ajudam a explicar o aumento das ações judiciais sobre esta matéria, assim como das dúvidas sobre como encaminhá-las. Entre as controvérsias, na pauta do Supremo Tribunal Federal, avalia-se o “dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo”. No Superior Tribunal de Justiça, examina-se a disponibilização de “medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS”.

Para lidar com o volume de ações, é necessário distinguir pedidos indevidos de falhas nas políticas públicas, para atacar os problemas na origem. Uma conhecida lacuna é assistência básica da saúde, também chamada de atenção primária – ou seja, o atendimento inicial dos usuários. Não adianta lamentar a judicialização da saúde sem olhar para as filas de espera. No longo prazo, o custo do descaso exigirá seu preço, como já cobra.

O foco na atenção básica, por seu viés preventivo, é mais humano e, ao mesmo tempo, mais econômico. Na mesma linha, é preciso conferir maior atenção ao saneamento básico, à alimentação, às informações nutricionais, à saúde dos trabalhadores e dos presos. Além disso, alerta-se que uma interpretação literal da PEC do teto dos gastos públicos, que tanto preocupa no presente, terá efeitos ainda mais nefastos no futuro.

No plano judicial, a premissa é a qualificação da atuação. Cabe registrar um importante conjunto de medidas implementadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em 2013, foram criados grupos de médicos para consulta pelos juízes. São os Núcleos de Apoio Técnico (NAT) nos tribunais, que ainda se defrontam com problemas básicos como a carência de profissionais e a divergência sobre a origem de seu custeio – o Executivo ou o Judiciário.

Foram criados Comitês Executivos Estaduais, com profissionais de diversas áreas, o que enseja espaços de diálogos interinstitucionais e permite, com baixo custo, promover troca de informações e o desenvolvimento de medidas práticas. Em 2016, foi instituído o Fórum da Saúde, para coordenar esses comitês. No fim de 2017, realizou-se uma audiência pública, ainda que sucinta, e foi lançado o NATJus, uma plataforma nacional para o cadastro de pareceres e notas técnicas para subsidiar as análises judiciais. Muito tem sido feito, e ainda há muito por fazer.

“Como será o amanhã?”, diz o samba. O exercício não é de adivinhar, é de planejar. Antes de pensar nas ações judiciais, é tempo de redesenhar o modelo. Para que o Judiciário não seja a primeira porta, podem ser adotadas formas alternativas de solução de conflitos, como câmaras de mediação em saúde, uma realidade em alguns locais do país. Permitem uma avaliação caso a caso antes de a ação judicial sequer existir, facilitando o acesso e reduzindo custos.

A jurisprudência se consolidou no sentido de que o protocolo do SUS tem caráter preponderante, não absoluto. Dessa forma, outro desafio do amanhã será discutir as doenças raras e os critérios para excepcionar o protocolo padrão. Destaca-se, ainda, a importância de aprimorar a auditoria social da saúde, por meio de aplicativos, inteligência artificial e mesmo das ouvidorias.

Por fim, é preciso mais atenção à saúde mental. Mens sana in corpore sano – mente sã em corpo são, diz o ditado latino. É uma lição do passado, que deve ser praticada no presente. Afinal, hoje é o primeiro dia do começo do futuro.

 

* Gabriel Schulman é coordenador da pós-graduação em Direito à Saúde da Universidade Positivo.

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