[ARTIGO] Escola é lugar de fala?

Embora reconheçamos que todos nós temos direitos individuais – entre eles o de comunicação – receber informações, emitir opiniões, hoje enfrentamos também a questão do direito coletivo denominado “lugar de fala”, em que grupos, por meio das palavras tem o direito de aportar ao universo das representações, construindo suas identidades, ou seja, o lugar ocupado numa determinada situação, que dá visibilidade, caracteriza e unifica, marcando aqueles que são iguais ou diferentes.

Por meio do lugar de fala, nos damos a conhecer, dizemos quem somos, estabelecemos quem são nossos semelhantes e dessemelhantes, quem são ou não nossos pares, definindo o “outro”.

Michel Foucault, crítico literário, escritor, filósofo, professor de História dos Sistemas do Pensamento na França, dizia que “o discurso é o espaço em que saber e poder se articulam, pois quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito reconhecido institucionalmente”. A fala é assim um conceito entre o linguístico e o sociológico, que associa um contexto histórico ao direito de uma determinada camada da população, e com certeza não é um espaço neutro, pois produz respostas políticas num certo espaço e num certo tempo.

A grande questão é a apropriação de determinados discursos por alguns grupos que, isso posto, consideram-se os únicos com o direito de falar: apenas homens podem falar, reivindicar direitos ou realizar julgamentos sobre os homens, apenas mulheres jovens podem em relação às suas iguais, certas roupas ou acessórios passam a ser exclusivos de determinados grupos, idioletos são propriedade de certas comunidades, e assim por diante. Certos penteados são exclusivos de uma etnia, merecendo críticas ferozes pessoas de outras que queiram usá-lo, por mais que agradem à sua estética.

E o pior aspecto é que isso passa a justificar a linguagem do ódio, da exclusão e não aceitação de outras opiniões ou posturas. Estamos em tempos de pouca (ou nenhuma) tolerância ao dissenso, todos devem concordar com alguns “mandamentos”, como se fosse possível que todos os negros pensassem exatamente de mesma forma sobre qualquer assunto, como se todos os chineses concordassem absolutamente com todas as suas tradições e normas de conduta, negando, portanto, a individualidade e originalidade de cada ser humano, seus desejos, valores e sonhos, pois seus lugares de fala seriam fixos e pré-determinados; o que pressupõe que existem sempre os “efeitos de verdade”, os quais autorizariam mais alguns discursos que outros.

Este termo aparece muito entre militantes de alguns movimentos, notadamente minorias, e inicialmente representava o desejo de que aqueles que sofrem algum tipo de preconceito não necessitassem mais de mediadores, falariam por si mesmos, como maiores conhecedores de suas batalhas e sofrimentos, uma forma de evitar que grupos privilegiados pudessem ocupar todo o espaço de um debate, considerando, por exemplo, que homens brancos com certo poder monetário possam ser ouvidos – e acatados – com maior possibilidade que a voz de uma mulher negra ou homossexual.

No entanto, isso não pode significar que apenas mulheres possam falar sobre feminismo, isonomia ou equidade, pois o assunto interessa a todos os seres humanos embora, naturalmente, estejam as mulheres entre as maiores interessadas. Se, por um lado, é importante que o um bom número de pessoas compreenda o que e como falamos, qual o poder que temos e qual o que demandamos, isso não nos transforma nos únicos falantes autorizados.

Educar com qualidade crianças e jovens pode evitar este tipo de preconceito num futuro próximo, já que o processo educativo aumenta nosso entendimento do mundo e dos outros, permite que nos expressemos e ouçamos de forma mais adequada, nos dá flexibilidade para enfrentar o novo e desenvolver criatividade na reelaboração do passado para facilitar um bom caminho ao futuro.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

(wcmc@mps.com.br)

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