Josรฉ Pio Martins*
Recentemente, fui convidado a participar de um encontro em Sรฃo Paulo, com o objetivo de produzir um documento de sugestรตes aos candidatos ร presidรชncia da Repรบblica. Na abertura, o orador afirmou que o primeiro passo seria fazer um diagnรณstico da situaรงรฃo brasileira e, a partir daรญ, elaborar um plano de soluรงรตes. Convidaram-me porque o foco era a economia.
Em dado momento, pedi a palavra e afirmei que fazer diagnรณstico econรดmico do Brasil รฉ fรกcil. O paรญs se especializou na permanรชncia de uma mesmice cansativa. Os problemas nacionais se repetem com enorme tรฉdio hรก meio sรฉculo. Nos anos 1970, os problemas eram a inflaรงรฃo e a dรญvida externa. Nos anos 1980, os temas mais candentes eram a inflaรงรฃo, a recessรฃo e a moratรณria da dรญvida. Nos anos 1990, a hiperinflaรงรฃo e a crise cambial. Na virada do milรชnio, vencida a inflaรงรฃo, persistiam a dรญvida externa e a crise cambial.
O tรฉdio da mesmice brasileira jรก estava presente num irรดnico diรกlogo entre Tancredo Neves e o economista Roberto Campos, em setembro de 1961, quando Tancredo, designado primeiro-ministro do governo parlamentarista de Joรฃo Goulart, pediu ao economista que preparasse um programa de governo a ser enviado ao parlamento para referendo junto com o novo gabinete. Roberto Campos ponderou que nรฃo havia tempo para a tarefa, ao que Tancredo respondeu com sua mineirice sarcรกstica: โVocรช รฉ useiro e vezeiro em fabricar programas de governo desde os tempos de Getรบlio e Juscelino. No Brasil, os problemas nรฃo mudam, logo nรฃo mudam tambรฉm as soluรงรตesโ.
E Tancredo tinha razรฃo. Os problemas herdados do perรญodo Juscelino eram a inflaรงรฃo e a crise cambial, que viriam a se repetir nas dรฉcadas seguintes. Nos รบltimos 50 anos, os problemas brasileiros nรฃo mudaram, como tambรฉm nรฃo mudaram duas realidades tristes: a pobreza โ refletida na baixa renda por habitante โ e os crรดnicos dรฉficits pรบblicos. Qual a explicaรงรฃo para o contraste entre o potencial de riqueza do paรญs e a pobreza do desempenho? Vรกrios sรฃo os fatores explicativos, entre eles a incompetรชncia dos paรญses pobres na descoberta dos verdadeiros inimigos.
Os esquerdistas gostam de culpar o neoliberalismo pelas mazelas brasileiras. Isso รฉ uma bobagem; รฉ culpar o inexistente. Os responsรกveis por nossa pobreza nรฃo sรฃo o liberalismo โ nem o neo nem o clรกssico, que nunca existiram por aqui โ, nem o capitalismo, por ser mal aplicado e distorcido. Entre os inimigos do desenvolvimento estรฃo os monopรณlios, com suas ineficiรชncias; o excesso de empresas estatais, que criaram uma nova classe de privilegiados: os burgueses do Estado, verdadeiros capitalistas sem risco; e o elevado grau de estatizaรงรฃo da economia e da vida nacional.
Quanto ao neoliberalismo, estudos realizados por organismos internacionais colocam o Brasil como um dos paรญses de menor grau de liberdade econรดmica e um dos mais fechados do mundo. Segundo a Heritage Foundation, entre 186 paรญses, o Brasil estรก na posiรงรฃo 153, ou seja, atrรกs de 152 paรญses em grau de liberdade. Onde estรก o neoliberalismo? O que temos em verdade sรฃo graves resquรญcios dirigistas, limitaรงรฃo da aรงรฃo empresarial, um sistema tributรกrio complexo e punitivo, uma legislaรงรฃo trabalhista inibidora da contrataรงรฃo e uma pilha de controles e intervenรงรตes.
Um paรญs em que o Estado tem atรฉ uma estatal para fabricar camisinhas nรฃo pode ser acusado de liberal. Nรฃo, nรฃo รฉ piada. Agora, neste julho de 2018, acaba de circular a notรญcia de que โem crise, fรกbrica estatal de camisinhas naufraga e encerra a produรงรฃoโ. Trata-se da falรชncia da Natex, estatal montada no governo Lula, em 2008, no Estado do Acre, para produรงรฃo de camisinhas. ร o retorno ร cultura da estatizaรงรฃo dos anos 1970. Isso faz lembrar um trecho do poema de T. S. Elliot nos Quatro Quartetos: โO fim de toda nossa busca serรก chegar ao lugar onde comeรงamos e ter a sensaรงรฃo de descobri-lo pela primeira vezโ.
*Josรฉ Pio Martins, economista, รฉ reitor da Universidade Positivo.