Josรฉ Pio Martins*
Fim de ano รฉ tempo de refletir sobre o que estamos fazendo com nossas vidas. ร bom momento para balanรงo dos atos passados e projeรงรฃo do que faremos no futuro. Conquanto tenha feito conquistas maravilhosas no campo da ciรชncia e da tecnologia, a sociedade ainda se debate com a questรฃo proposta por Sรณcrates, 400 anos antes de Cristo: qual o sentido da vida e como viver?
O homem รฉ o รบnico animal que sabe que vai morrer e, quando descobriu esse fato, surgiu a pergunta filosรณfica: como viver? Caetano Veloso, em uma de suas canรงรตes, diz que โviver nรฃo รฉ preciso; navegar รฉ precisoโ. Mas essa expressรฃo nรฃo รฉ dele โ รฉ do grande poeta portuguรชs Fernando Pessoa, e quer dizer que alguรฉm pode dar fim ร prรณpria vida, mas, em resolvendo viver, รฉ preciso navegar, fazer escolhas e agir.
Em artigo anterior, citei o psiquiatra Viktor Frankl, que, apรณs ter a famรญlia exterminada, perdido o patrimรดnio e sido torturado em campos de concentraรงรฃo, retornou a seu consultรณrio em Viena e, a partir de seus estudos e pesquisas, publicou o livro Em Busca de Sentido. Na obra, ele menciona que os prisioneiros de guerra, embora submetidos a castigos e torturas, nรฃo se suicidavam, e conclui que assim agiam porque suas vidas tinham sentido e eles nutriam a esperanรงa.
Hรก uma corrente da filosofia chamada niilismo (cujos expoentes sรฃo Sartre, Nietzsche e Durkheim), para a qual apรณs a morte sรณ existe o nada; logo, a vida nรฃo tem sentido. Outra รฉ chamada absolutismo (representada por Agostinho de Hipona e Tomรกs de Aquino, por exemplo), para a qual hรก Deus, a morte nรฃo รฉ o fim e, por isso, hรก razรฃo por que viver. A terceira corrente, ร qual Viktor Frankl pertence, รฉ chamada relativismo, para a qual a vida tem sentido e significado… se vocรช der-lhe um.
Para os relativistas, o sentido da vida deve ser buscado pelo prรณprio indivรญduo, com ou sem Deus. E o dr. Frankl afirma que o vazio existencial vem da ausรชncia de sentido. A busca de significado e de uma razรฃo por que viver nรฃo รฉ somente uma questรฃo filosรณfica, mas tambรฉm fisiolรณgica e social. รs vezes, os neuropeptรญdios, ou os traumas, desorganizam nosso cรฉrebro e nos lanรงam na depressรฃo, esse distรบrbio mental que leva ร falta de vontade de viver e lanรงa muitos ao precipรญcio do suicรญdio.
Quanto ao ambiente social, segundo o Fรณrum Brasileiro de Seguranรงa Pรบblica (FBSP), houve 278.839 assassinatos no Brasil nos cinco anos entre janeiro de 2011 e dezembro de 2015 โ mรฉdia mensal de 4.647 vรญtimas. Nesse mesmo perรญodo, a Sรญria, em sangrenta guerra civil, teve 256.124 pessoas mortas, mรฉdia de 4.493 por mรชs. Ou seja, aqui se mata mais que na apavorante guerra sรญria.
Com tanta violรชncia, tanta corrupรงรฃo, tanta degeneraรงรฃo da vida, cabe indagar como รฉ possรญvel viver uma vida plena de sentido em uma sociedade arruinada nos valores e nas relaรงรตes entre as pessoas. As saรญdas que se apresentam sรฃo: suportar tudo calado; ir embora do paรญs; ou nรฃo se conformar e lutar pela transformaรงรฃo social.
Para a maioria dos 206,6 milhรตes de habitantes do paรญs, a opรงรฃo de ir embora nรฃo existe. Suportar tudo calado significa desistir e viver com medo. Entรฃo, a soluรงรฃo รฉ nรฃo se conformar, e reagir. Resta saber como. Muitas pessoas tรชm vontade de lutar, mas nรฃo sabem por onde comeรงar nem que instrumentos usar. O fato รฉ que a violรชncia urbana, a deterioraรงรฃo social e o medo ajudam a solapar a busca de um sentido individual de existรชncia.
*Josรฉ Pio Martins, economista, รฉ reitor da Universidade Positivo.