O século vinte, apesar de enaltecer a juventude terminou por provocar outro fenômeno igualmente arriscado, que estamos intensificando nos dias atuais: educar nossas crianças e jovens para se tornarem adultos cedo demais, para “vencer no mundo do trabalho”, e neste intento sacrificar a própria infância.
Em parte, isso tem acontecido porque em tudo queremos diferir dos animais, como se já não fossemos parte da natureza: mesmo aos primatas mais próximos, dos quais inclusive descendemos, reprimimos, colocamos em jaulas; aos demais animais aprisionamos, subjugamos, extinguimos, matamos. Afinal, apenas nós edificamos as cidades, construímos máquinas, nos encaminhamos para dominar o espaço sideral – e passamos a nos crer sobrenaturais, dominadores dos cosmos. Esquecemos, no entanto, que nossas crianças e jovens precisam, como filhotes de qualquer outra espécie, de amor e atenções.
Todo ser humano em crescimento não pode dispensar a construção de uma rede de cuidados, constituída pela família, pela comunidade em que cresce e a instituição escolar que frequentará, e qualquer dos três componentes é fundamental para a formação daquilo que é denominado o território seguro de seu desenvolvimento.
Tanto o excesso de pressão para obtenção de sucesso, realizar um sonho que na verdade muitas vezes não é deles, e sim de seus pais ou alguém do círculo mais próximo, ou então a agressividade, física ou moral, no ambiente circundante, a falta de qualidade em sua educação que muitas vezes propicia o bullying no ambiente estudantil, interfere na manutenção e estabilidade de sua evolução.
Se a isso acrescentarmos a ausência de amparos estatais, pela inexistência de boas políticas públicas – das quais somos extremamente carentes no Brasil – e uma deficiente assistência de saúde, podemos ter incrementada a ocorrência de infâncias problemáticas ou mesmo perversas, e, em alguns casos extremos, termos aumentados os casos de suicídio infanto-juvenil.
A privação emocional, a ausência do afeto, estressores externos como a violência, os abusos, as crises econômicas que causam impacto na família, como o desemprego ou catástrofes ambientais, podem trazer a depressão, que tem contribuído para a incidência do autoextermínio infanto-juvenil. A presença abusiva do uso de drogas ou álcool, os transtornos ansiosos, e um histórico familiar positivo para o suicídio, costumam potencializar o envolvimento em situações de risco, embora atos auto lesivos e intencionais na infância sejam mais raros. A compreensão deste fenômeno vincula-se, certamente, ao desenvolvimento do conceito de morte na criança, bem como a vários fatores de risco, mas certamente a saúde mental infantil tem sido um pouco negligenciada. A própria Organização Mundial de Saúde já em 2005 alertava que 30% dos países não têm políticas de saúde mental e 90% deles não têm políticas de saúde mental que incluam crianças e adolescentes; a situação de lá para cá pouco evoluiu, e hoje iniciativas como dedicar o mês de setembro às campanhas de prevenção ao suicídio tem procurado suprir esta lacuna.
Crianças ou jovens que tentam ou chegam a cometer o suicídio são seres em grande sofrimento psíquico, a maior parcela delas pertencendo ao sexo masculino, e têm entre seus motivos preponderantes: o insucesso nos estudos, seguido pelos comportamentos agressivos, realizados ou recebidos, nas suas casas ou escolas.
Atualmente boas instituições de ensino superior estão se voltando ao tema, em estudos teóricos ou trabalhos de cunho epidemiológico, pois a escassez de pesquisas e literaturas dificulta a compreensão e melhoria das intervenções que podem ser efetivadas no campo da prevenção e do atendimento aos sobreviventes.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.
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