Flávio de Azambuja Berti*
A discussão do teto de gastos do Governo tem envolvido algumas incoerências e impropriedades, as quais precisam ser ultrapassadas, se o objetivo é uma análise racional do tema. Especialmente agora, diante de momento eleitoral tão particular com radicalizações políticas que pendem para um lado e para outro, sem a necessária imparcialidade exigida sob o ponto de vista da gestão pública e da construção de um país mais justo, igualitário e solidário.
Fato é que tais ideais de justiça, igualdade e solidariedade passam por alguns limites intransponíveis sob a perspectiva prática. A realidade econômica e financeira se impõe no contexto político de modo absoluto. A praga da ideologização precisa ser afastada. Não se questiona a necessidade de maciços investimentos em saúde, educação, segurança pública e infraestrutura da mesma forma que em nossas vidas particulares não questionamos as necessidades que temos com gastos para alimentação, moradia, escola dos filhos, plano de saúde privado que assegure-nos pronto e qualificado atendimento médico. Ocorre que em nossa vida privada trabalhamos com uma realidade implacável, dada pelo tamanho de nossa renda e os comprometimentos que temos em face de nosso orçamento doméstico. Desta forma, mesmo que queiramos de modo legítimo oferecer a nossos filhos o aprendizado de uma língua estrangeira, ou que tenhamos a pretensão também legítima do melhor e mais completo plano de saúde ou ainda de uma viagem de férias para toda a família, sempre avaliamos previamente as condições econômicas e financeiras que nos atingem, não só no presente, senão também no futuro, pelo que determinadas decisões impensadas e que representem endividamento incontornável devem ser afastadas.
Da mesma forma, o Estado como um todo encontra limites na realidade, limites estes que quando ultrapassados em determinado momento, seja por escolhas políticas ideológicas seja por populismo, seja ainda por simples incompetência de gestão, trazem consequências nefastas. Corridas desesperadas a financiamento internacional via FMI (caso atual da Argentina), déficits orçamentários de difícil reparação (Brasil contemporâneo) ou ainda bancarrota total como a Venezuela são consequências inafastáveis do descontrole orçamentário e da irresponsabilidade fiscal.
Tais considerações reforçam os argumentos no sentido de que o teto de gastos aprovado por recente Emenda Constitucional seja mantido no próximo governo sob pena de agravamento da crise fiscal, a menos que a surrealidade produza aumentos astronômicos e sucessivos de receita ou a redução de outras despesas, tudo num ambiente jurídico-constitucional, em que a maior parte do orçamento é comprometida com as chamadas “verbas carimbadas”, sem qualquer margem de manobra para o Governo, dadas as vinculações decorrentes de normas da própria Constituição Federal.
*Flávio de Azambuja Berti, mestre e doutor em Direito. Procurador do Ministério Público de Contas do Paraná. É coordenador da Pós-Graduação em Direito Tributário da Universidade Positivo e professor do curso de Direito da Universidade Positivo.