Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a realidade dos países europeus já integra o cenário das famílias brasileiras: nos lares, há mais animais do que crianças. Em cada 100 famílias, 44 criam pets e apenas 36 delas possuem crianças com até 12 anos de idade. Segundo a pesquisa, há 52 milhões de cães e 45 milhões de crianças; a população de gatos está em 22,1 milhões.
A afirmação “Não é meu animal de estimação, é parte da minha família” é uma expressão cada dia mais frequente. Um cão, gato ou outro animal que tenha sido escolhido para compartilhar a vida em um lar, pouco a pouco vai ganhando lugar de importância e afeto de seu tutor. No caso das pessoas que moram sozinhas, os animais de estimação ocupam espaço de ainda mais destaque dentro do contexto de vida social.
Cristiane Pizzutto, médica-veterinária e presidente da Comissão de Bem-Estar Animal do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP) acredita que o aumento dos pets nos lares brasileiros é reflexo da mudança do perfil e do comportamento da população. “Muitas famílias estão optando por ter menos filhos ou não tê-los, e com isto, incorporam um animal no seu lar. Desta forma, eles ganham mais espaço dentro de casa, chegando a dividir até a própria cama com os tutores. Eles são carinhosos, recebem cuidados e atenção, e acabam tornando o vínculo homem-animal inseparável. Este é um processo irreversível”, conta.
Essa transformação de perfil chacoalhou a setor pet e, consequentemente, a atuação do médico-veterinário. Hoje, o profissional que atua em clínica de pequenos animais deve compreender que os animais de companhia desempenham diferentes papeis em uma família, inclusive de filhos. Cristiane explica que o médico-veterinário ganha com o crescimento em diversos os aspectos, contudo, aumentam as necessidades do profissional manter-se cada vez mais especializado e diferenciado. “O mercado está mais complexo porque a sociedade se tornou exigente. Além do conhecimento tradicional, ele deve estar atento às questões comportamentais, psicológicas, de bem-estar e tudo que envolva a rotina de um animal dentro da rotina dos tutores”, alerta.
Hoje, receber clientes em hospitais e clínicas vai além de atender. É preciso saber lidar com a personalidade e emoção dos tutores, pontos que, muitas vezes, se sobressaem na hora de procurar por serviços veterinários. De acordo com pesquisa por uma das maiores redes de hospitais americadas, a VCA, realizada com os clientes, entre os principais fatores para escolha de um serviço veterinário estão entender que o pet é uma extensão do indivíduo e conhecer o tutor e o animal.
Segundo os pesquisadores americanos Ross e Sorensen (2007), para alguns tutores, essa relação é fonte de vínculo ou orgulho; para outros, é uma oportunidade de socialização, uma lembrança do passado ou até mesmo a representação de um filho.
“O médico-veterinário precisa usar todo o seu conhecimento e ser muito habilidoso para mostrar ao tutor que é possível cuidar de um pet como se ele fosse um filho, dar-lhe amor e carinho, porém, sem humanizá-lo. Humanizar um animal pode trazer consequências sérias ao comportamento e ao bem-estar do animal. É preciso respeitar as necessidades comportamentais e a essência natural de um cão ou de um gato”, ensina Cristiane.
Por conta do crescimento do vínculo afetivo entre tutor e animal, um dos maiores desafios dos médicos-veterinários que atuam em clínica de pequenos está em comunicar o óbito, principalmente em uma sociedade que não está acostumada a lidar com perdas. “Para muitos tutores, o momento da internação do animal é a primeira vez em que se deparam com a experiência de se separar do seu pet. O médico-veterinário deve saber trabalhar com demandas psicológicas dos familiares diante do adoecimento do animal e encontrar a melhor forma de abordar o diagnóstico do paciente”, diz Joelma Ruiz, psicóloga especialista em terapia do luto.
Segundo Joelma, a partir do momento em que o tutor recebe o diagnóstico de uma doença crônica, ele entra automaticamente em luto antecipatório. “A morte gera emoções intensas nas pessoas. As informações de óbito ou eutanásia devem ser precisas, mas passadas com delicadeza e empatia”.
Carga horária excessiva em residências e hospitais veterinários, estresse em atendimentos e emergências, cobrança e falta de preparo para lidar com o luto animal são alguns dos motivos que levam o médico-veterinário a estar na liderança entre as profissões que mais apresentam doenças relacionadas ao estresse, como a síndrome de Burnout. Segundo dados do Sistema de Informação de Mortalidade do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), entre 1980 e 2007, a Medicina Veterinária foi a profissão com a maior taxa média por ocupação e risco ocupacional de suicídio. A pesquisa mostra que a ocorrência de suicídios é 225% maior na Medicina Veterinária do que em outras profissões.
Dicas sobre como tratar o luto na UTI
- O médico-veterinário precisa ter cautela no momento de comunicar más notícias. O tipo de abordagem pode gerar conseqüências fisiológicas e psicológicas nos tutores, contribuindo para situações de estresse. A comunicação deve ser clara, objetiva e honesta;
- A internação do animal pode gerar luto antecipatório, desencadeando angústia, dor e desorientação em alguns tutores. Em situações traumáticas, muitas pessoas manifestam o luto de forma agressiva ou hostil. Nestes momentos, o médico-veterinário deve saber ouvir e falar de maneira acolhedora sobre os processos naturais da vida;
- Descrições no leito do tipo “animal bravo” devem ser evitadas. Essa medida pode gerar insegurança no tutor por acreditar que seu animal receberá atendimento diferenciado no hospital por ser considerado agressivo;
- O luto depende do significado do animal na vida da pessoa. Os idosos que vivem sozinhos têm animais de companhia, então, essa perda pode ser muito importante. Para crianças, às vezes é a primeira perda. O médico-veterinário deve ter clareza sobre a importância do seu trabalho e dos impactos das suas ações na vida dessas pessoas.
Sobre o CRMV-SP
O CRMV-SP tem como missão promover a Medicina Veterinária e a Zootecnia, por meio da orientação, normatização e fiscalização do exercício profissional em prol da saúde pública, animal e ambiental, zelando pela ética. É o órgão de fiscalização do exercício profissional dos médicos-veterinários e zootecnistas do Estado de São Paulo, com mais de 35 mil profissionais ativos. Além disso, assessora os governos da União, Estados e Municípios nos assuntos relacionados com as profissões por ele representadas.
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