O aprendizado sobre qualquer coisa comeรงa sempre com alguma pergunta: โo que รฉ isso?โ, โcomo funciona?โ, โo que esse botรฃo faz?โ, e assim por diante. ร assim: alguรฉm curioso encontra alguรฉm atencioso e a “mรกgica” se faz. Na escola, costumam chamar os personagens desse diรกlogo de aluno e professor. Lamentavelmente, nem sempre รฉ assim. Muitas pedagogias falam em โdespertar” a curiosidade da crianรงa e do jovem. Eu sempre me surpreendi com essa abordagem, porque curiosidade foi a mola propulsora da humanidade, seu desenvolvimento e, em รบltima instรขncia, a razรฃo maior da sua sobrevivรชncia. Como รฉ que agora virou um item da formaรงรฃo dos professores? Serรก, por acaso, que acham que as crianรงas e jovens nรฃo sรฃo curiosos e que รฉ necessรกrio ensinรก-los a sรช-lo? Eu discordo. Penso que as crianรงas ย sรฃo naturalmente curiosas e por isso nรฃo รฉ preciso despertar nada. Apenas ouvir e responder. Ou devolver as perguntas. Mas para isso os adultos precisam dar ouvidos, com tempo e paciรชncia, e oferecer de volta respostas que nรฃo concluam as perguntas, encerrando o assunto.
Hรก algum tempo fui visitar uma cidade ao pรฉ da serra do mar e um menino de uns 9, 10 anos, perguntou-me por que o leito do rio รฉ cheio de pedras. Ele mesmo tinha uma hipรณtese: โserรก que as pessoas jogam essas pedras todas aรญ?โ Conversamos por uns quarenta minutos e consegui fazer uma trilha de perguntas que conduziu o olhar do menino esperto para o alto da montanha, de onde as pedras rolavam em direรงรฃo ao rio que passa ao lado da casa dele. Na sala de aula, procuro apresentar meus conteรบdos sempre na forma de perguntas.Tento mostrar aos alunos como muitos fatos que todos tomamos por โรณbvios” tรชm quase sempre uma explicaรงรฃo. Mas sรณ saberemos se perguntarmos. ร propรณsito: ย sei por que as aulas para crianรงas e jovens, normalmente, sรฃo pouco atraentes: porque afirmamos coisas demais.
Verdade que nรฃo temos tempo para estarmos ร disposiรงรฃo de todas as perguntas das crianรงas. Mas e se, no tempo disponรญvel, ouvรญssemos e, em vez de responder de pronto, as incentivรกssemos a formular da melhor maneira possรญvel a dรบvida delas para, na sequรชncia, darmos pistas e devolver as perguntas, como em um jogo de detetive? Garanto que nรฃo seria apenas um momento de aprendizado. Seria muito prazeroso. Aliรกs, acho engraรงado que hoje consideram uma grande ideia a gameficaรงรฃo. Mas nรฃo foi isso que sempre se fez? Brincar? Jogar? A grande questรฃo, para mim, รฉ: por que nรฃo fazemos mais perguntas ou ouvimos mais as perguntas dos outros? Walter Benjamin associou a crise da narrativa com a incapacidade de as pessoas trocarem experiรชncias. Hannah Arendt falou sobre a desistรชncia de muitos adultos em assumir responsabilidades (que รฉ a capacidade de responder) com as crianรงas: “Nesse mundo, mesmo nรณs nรฃo estamos muito a salvo em casa; como se movimentar nele, o que saber, quais habilidades dominar, tudo isso tambรฉm sรฃo mistรฉrios para nรณsโ. Desse jeito, a coisa fica feia. A curiosidade gera aprendizado. Se nรฃo aprendemos mais, talvez seja porque tudo jรก nos รฉ dado e quando nรฃo, nรฃo sabemos o que dizer, principalmente nรณs, adultos. Flutuamos em meio a coisas que funcionam e nos distraem, mas nรฃo nos estimulam e completam. Uma sala de aula sem perguntas e sem respostas que geram novas perguntas, รฉ um lugar muito triste. Nรฃo รฉ ร toa que crianรงas e jovens queiram estar em outro lugar, mesmo sem saber que lugar รฉ esse.
*Daniel Medeiros รฉ doutor em Educaรงรฃo Histรณrica pela UFPR e professor no Curso Positivo, de Curitiba (PR).