[OPINIÃO] O que se sabe

Censura é um anátema, assim como preconceito, ninguém a deseja ou pratica conscientemente, pelo menos é o que se afirma. Mas, da mesma forma que muitos “não preconceituosos” ficam sobressaltados à simples proximidade de uma pessoa diferente de seus padrões raciais ou sociais, a grande maioria dos detentores de opinião, qualquer opinião, entende lá no recôndito de seu ser que opiniões frontalmente contra as suas não deveriam ter circulação permitida. E não importa o tipo de opinião ou crença, política, religiosa, de gênero, criacionista, darwinista; os conceitos parecem arraigados a tal ponto que não podem conviver com a mínima divergência.

A censura, que tem entre seus sinônimos repreensão ou reprimenda, é reconhecida como forma de restrição tanto da liberdade quanto do conhecimento, costuma ser exercida em regimes ditatoriais e parece ser um tema perturbador ultimamente, depois de um processo de grande divisão interna atravessada pelos brasileiros nos últimos anos. Isso incomoda pelos possíveis reflexos nas atitudes, valores e livre circulação das notícias, as quais, em última análise compõem o que denominamos opinião pública.

O conceito de opinião pública ganhou força a partir do século XVIII, pela atenção aos fenômenos sociais nos quais as convicções comunitárias se formam, circulam e se estabelecem. Atualmente a diferença em relação aos séculos anteriores é bastante grande, pois as formas socialmente instituídas de debate público, as discussões sobre política, comportamentos, cultura ou negócios alteraram-se bastante pelo predomínio dos grandes meios, recursos e linguagens das comunicações de massa, que reconfiguraram as crenças populares.

No entanto hoje assistimos a um possível risco de que se tornem superados os jornais impressos, e com eles uma pesquisa mais aprofundada sobre os temas e acontecimentos que teriam o condão de mudar significativamente a concepção de certas camadas da população sobre hipóteses que podem configurar, ou não, as “fake news”. Com a comunicação mediada por computadores, numa rede ilimitada e descentralizada, acessível a todos, bem-intencionados ou não, qualificados para as áreas em que opinam ou não, é indispensável reexaminar as características e propriedades do que denominamos opinião pública e censura.

A diminuição da importância da mediação do jornalismo tradicional e o pluralismo de opiniões não diminuem a dependência de cada cidadão a determinados veículos na análise do interesse público, e o número crescente de fontes alternativas não representa apenas quebra do monopólio do sistema informativo e pluralismo de ideias circulantes, mas eventualmente, em competição pelo estabelecimento de certas prioridades de agendas políticas, na influência nem sempre benéfica de robôs e entidades remuneradas  para a propagação de determinadas narrativas, nem todas legitimas no interesse comunitário.

Acrescido ao fato de que a localização física do usuário é indiferente, os algoritmos conhecem nossos gostos e tendências cada vez mais completamente – ou seja, podem nos manipular à vontade, diminuindo a importância da imprensa local, e, mesmo, de forma corrupta ou militante, ignorar bloqueios e censuras à mídia estabelecidas pelo Estado. O permitido e o proibido, a recusa de submissão, a esfera pública e a privada se confundem, e a velha pergunta sobre o que é a verdade volta ao centro do debate.

Censura não representa exatamente a ausência de informação, mas a interdição dela, e um dos fatores intervenientes passa pela incapacidade de distinção entre certo e errado, entre verdadeiro e falso; o silenciado passa a ter uma materialidade histórica bastante preocupante, principalmente para aqueles que exercem funções educativas: o que se transmite às novas gerações?

O que ensinar, quais valores sobreviverão a esta avalanche de informações e contrainformações, quais teorias e princípios terão validade futura, distinção das boas normas de conduta, o que subsistirá, são preocupações constantes daqueles que gostariam de melhorias em nosso sistema educacional.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil. 

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