Segundo informaรงรตes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anรญsio Teixeira (INEP), responsรกvel pela elaboraรงรฃo e correรงรฃo das provas do Exame Nacional do Ensino Mรฉdio (ENEM), hoje consolidado em todo o territรณrio brasileiro, dos 55 participantes do Exame 2018 que atingiram a nota 1000 na redaรงรฃo, 42 sรฃo do sexo feminino e 13 do masculino.
Portanto, mulheres representam 72% daqueles que atingiram esse excelente resultado e, em alguns estados como Parรก, Rio Grande do Norte, Cearรก, Sergipe e Distrito Federal, foram apenas elas atingindo nota 1000 na redaรงรฃo.
Mulheres escrevendo nรฃo foi comum atรฉ o inรญcio do sรฉculo vinte, o nรบmero de escritoras antes disso foi sempre reduzido, e embora existido algumas grandes exceรงรตes, podia-se considerar essa atividade como masculina. Meninas e adolescentes nรฃo eram orientadas ao estudo, apenas deveriam aprender o bรกsico para gerir o prรณprio lar ou, quando muito, serem professoras de crianรงas, uma das poucas profissรตes adequadas para uma jovem de โboa formaรงรฃoโ.
Sem dรบvida รฉ o acesso ao processo educacional mais amplo que possibilita a representaรงรฃo cultural, revelando o delineamento dos conflitos tipicamente femininos, para a consciรชncia da quase escravidรฃo sob a mรกscara de โrainha do larโ, da alienaรงรฃo que permite a subsistรชncia da exclusรฃo, que agora o prรณprio ENEM, ao facilitar o ingresso em instituiรงรตes pรบblicas ou privadas mediante bolsas ou financiamentos estudantis, tende a sanar.
Numa sociedade ainda patriarcal, o aumento da capacidade argumentativa feminina auxilia um novo entendimento da disparidade nos papรฉis atribuรญdos a mulheres e homens, definindo um novo percurso rumo ao autoconhecimento; quem consegue se expressar com lรณgica e coerรชncia, analisar com pertinรชncia um tema proposto, manifestar de modo inteligรญvel sua opiniรฃo, e ainda fazer isso tudo com adequado respeito ร s normas do idioma, estarรก qualificado para iniciar estudos em praticamente qualquer รกrea.
Embora outras disciplinas concorram para sua boa formaรงรฃo, cientรญfica ou humanรญstica, รฉ a capacidade de expressar-se adequadamente que poderรก manifestar as habilidades e competรชncias de cada pessoa; uma composiรงรฃo escrita demonstra capacidade cognitiva e cultural, uma visรฃo de mundo e valores.
Ainda que a linguagem escrita esteja em mutaรงรฃo constante, suas alteraรงรตes formais se processam em perรญodos de dรฉcadas, o que รฉ correto, pois, ao contrรกrio da lรญngua falada que รฉ natural, a escrita รฉ uma criaรงรฃo artificial, e necessita de regras que a organizem, perenizem, e garantam sua universalidade, sem o que nรฃo poderia ampliar-se a cultura, ciรชncia e tecnologia. Mesmo que os meios atuais de comunicaรงรฃo propiciem certa uniformizaรงรฃo da linguagem no paรญs inteiro, em regiรตes e em cidades diferentes expressamo-nos oralmente de maneiras pouco ou muito diversas; nรฃo se pode dizer o mesmo da forma como se escreve, ou, pelo menos, nรฃo da forma como se deveria escrever.
A escrita de boa qualidade รฉ geralmente derivada da leitura de boa qualidade, e uma boa redaรงรฃo constitui-se basicamente no desenvolvimento harmรดnico e coerente de ideias, de um tema. Isso exige primeiramente reflexรฃo sobre o que se vai escrever, uma boa desenvoltura no idioma, das regras gramaticais e liberdade de expressar ideias.
Hรก uma questรฃo a ser pensada: mulheres talvez sempre tenham escrito, o que nรฃo faziam era levar a pรบblico o que escreviam, uma pesquisa em fundos de gavetas e baรบs de avรณs talvez nos desse uma boa surpresa.
ร inegรกvel que homens e mulheres escrevem igualmente bem ou igualmente mal, na dependรชncia de suas leituras, estรญmulo familiar, maior autonomia e acesso escolar. ร alvissareiro que jovens mulheres tenham atingido tรฃo bons resultados, demonstrando isonomia intelectual num paรญs ainda tรฃo repleto de desigualdades.
Wanda Camargo โ educadora e assessora da presidรชncia do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.ย
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