Neste momento em que o país chora uma nova tragédia em escola, na qual dois adolescentes com várias armas efetuaram disparos contra alunos e funcionários, ferindo e matando muitos deles antes de tirar a própria vida, só se pode fazer conjecturas sobre seu motivo, porém é chocante constatar a frequência com que estes fatos vêm se repetindo, até em função do mito da cordialidade que sempre supomos constituir nossa característica inata.
Talvez o que mais choca é a aparente gratuidade, não conseguimos imaginar o que pode causa-la, revolta, exclusão, delírios, desejo de fama… e também é incompreensível como alguns jovens podem realizar um ato tão sem sentido.
Incrível como familiares, amigos e pessoas próximas não conseguiram perceber que havia alguma coisa muito errada, com seus prováveis discursos e postagens de ódio e ameaça, ou pior ainda, não se importaram; terrível pensar que podemos estar cegos a tempestades semelhantes ao nosso redor, e que tenhamos muitas vezes uma imensa incapacidade de detecta-las até que seja tarde demais.
Conceber a inadaptação do jovem a este ponto, a desvalorização da vida e incredulidade no futuro, a rejeição dos valores culturais e comportamentais básicos de nossa comunidade é o oposto do que professores esperam do processo educativo.
No entanto, daí concluir que o massacre poderia ter sido evitado se os funcionários e/ou professores da escola estivessem armados é ilação perigosa. Reflete uma postura já indicada em outro país, que este tipo de problema se resumiria apenas a doenças mentais, que deveriam ser tratadas com mais rigor, seja lá o que se entenda por mais rigor nesta época de luta antimanicomial, levando à proposta errônea de que professores possuíssem armas, treinassem seu uso e estivessem prontos a defender seus alunos, ganhando um adicional em seus salários pela dupla função: mestre e pistoleiro.
Embora as doenças mentais devam de fato serem levadas a sério em suas manifestações, a facilidade com que pessoas sem qualificação podem obter armas é igualmente séria.
As mortes por arma de fogo que enfrentamos em nosso país decorrem de assaltos, guerras de quadrilhas, ajustes de contas, imperícia, até mesmo deste absurdo denominado “bala perdida”, já que balas não se perdem nem matam pessoas, pessoas o fazem. E temos também, para nossa infelicidade, as chacinas anteriores a esta, todas deixadas de lado após uma grande surpresa e indignação inicial.
O Estado deve prover segurança à população, e deve fazê-lo com profissionais – militares, seguranças, policiais – que supostamente tem treinamento constante para o uso de armas de fogo e estabilidade emocional para isso, embora nem sempre estes postulados se verifiquem na prática.
Entretanto, pessoas inexperientes, mesmo tendo aprendido a atirar, acreditam que o ambiente de um conflito armado é semelhante ao de um estande de tiro; a realidade brutal costuma mostrar a diferença.
A antítese de absolutamente tudo o que se possa pensar como processo educativo seria a presença de armas destinadas a docentes no ambiente escolar em qualquer país. Segurança é constitutivo do processo de aprendizagem, mas imaginar um professor portando armas, treinando para manuseá-las, encarando criminosos nos tiroteios em meio às crianças ou jovens é o oposto de todas as mensagens, exemplos, ensinamentos, teorias, práticas que este pudesse transmitir aos seus alunos.
No Brasil teríamos adicionalmente a grande probabilidade de que bandidos invadissem a escola para roubar o armamento, colocando a comunidade escolar em risco ainda maior. Em qualquer nação, todos os discursos, englobando desde uma degradação da própria civilização, a perda da cultura e a dissolução dos costumes como justificativas das violências escolares, a disseminação do uso de armas como forma de resolução de conflitos, certamente não seriam solucionados com o armamento de professores.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.
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