Minha primeira professora e o Dia da Mulher

Daniel Medeiros*

Lรณgico que havia minha mรฃe. Mas eu era pequeno e nรฃo tinha ainda ideia do trabalho imenso da minha mรฃe para me criar e ao meu irmรฃo. Assim, minha primeira referรชncia de mulher de sucesso foi minha primeira professora, Adla. Eu a amava! Eu queria ter aquela postura, aquela firmeza e, principalmente, aquela inteligรชncia. Ela me ensinou a ler e, quando eu cheguei em casa, lendo o pequeno texto da รบltima pรกgina da cartilha para minha mรฃe, ela nรฃo acreditou e disse: โ€œcomo รฉ que essa mulher conseguiu fazer isso com vocรช?โ€ Sim, era isso mesmo. Ela havia conseguido. E nรฃo somente me ensinar a ler. Havia conseguido me fazer querer ser como ela.

Eu era muito pequeno e, por causa da minha timidez, ficava menor ainda. Lembro-me que mal olhava para os lados. Sรณ para ela. E, de vez em quando, ela olhava para mim e dava um discreto sorriso. Ela era rigorosa, mas justa e terna. Nos seus gestos e na sua prรกtica aprendi sobre Polรญtica e Sociedade, sobre Justiรงa e sobre Direitos e Responsabilidades. Com ela.

Mais tarde, jรก na quarta sรฉrie, lembro-me de uma outra professora, mas agora com tristeza. Ela suportava com um sorriso magro a algazarra que imperava na escola pรบblica em frente ร  favela do lagamar, em Fortaleza, onde morei nos anos setenta. No alto, na parede, o olhar soberano que nos observava nรฃo era o dela, mas o do general presidente. Certa vez, ela mandou como tarefa que buscรกssemos os sinรดnimos de certas palavras. Pedi o dicionรกrio para o meu pai e escrevi, no caderno, o que o livro preto, o โ€œpai dos burrosโ€, dizia. Na tarde seguinte, ela pediu a liรงรฃo e sรณ eu havia feito. Ela ficou radiante com o meu desempenho. Os outros meninos me bateram no corredor, depois da aula. Eu fui pra casa, com a camisa rasgada sem saber se sentia mais pena de mim ou dela.

Ainda hoje as crianรงas, na maior parte de suas infรขncias, convivem com professoras. Por que nรฃo desenvolvem um sentimento de respeito e consideraรงรฃo pelas mulheres? Por que nรฃo incorporam o fundamento bรกsico de que um trabalho deve ser remunerado e respeitado de maneira igual, independente de gรชnero, cor, idade? Creio que a desqualificaรงรฃo do trabalho da professora, o primeiro referencial adulto que temos (fora nossos pais) estรก na raiz desse comportamento. ร‰ sรณ fazer uma pesquisa: eu queria ser como a minha professora. Muitas crianรงas, meninas principalmente, queriam ser professoras porque essa profissรฃo era cercada de respeito e dignidade. Mas, aos poucos, essa ideia e esse desejo foi sendo dilapidado atรฉ chegarmos ao quadro desolador no qual nos encontramos. Qual crianรงa quer ser como a sua professora? Quem quer receber o que ela recebe? Quem quer ter uma profissรฃo sem valor e sem respeito como a dela?

Se ficamos quase todos os anos de nossa infรขncia na companhia qualificada de mulheres tรฃo maravilhosas, como nรฃo nos tornamos um pouco mais humanos, justos, dignos? Posso estar errado, eu sei, mas acredito que se vรญssemos as professoras de todo o Brasil como eu lembro da professora Adla, duvido que serรญamos assim. Ou serรญamos menos. E tudo entรฃo ainda seria possรญvel no nosso paรญs.

*Daniel Medeiros รฉ doutor em Educaรงรฃo Histรณrica pela UFPR e professor de Histรณria no Curso Positivo.

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