Devemos a Aristóteles, no século V antes de Cristo, a primeira proposição de uma teoria sistemática de justiça, definida como: “A justiça (dikaiosyne) é a virtude que nos leva (…) a desejar o que é justo (dikaion).” É preciso observar que dikaion significa tanto o legal como o igual.
Para ele, esta dicotomia expressa – legal/igual – marca duas maneiras de acatarmos o devido aos demais: pela lei ou pela igualdade. Assim, um ato é justo se é realizado em conformidade com a lei, ou pela distribuição de honras, dinheiro e tudo aquilo que pode ser repartido entre os membros da comunidade.
Nesta distribuição é indispensável consideramos as qualidades pessoais do destinatário do bem, que estarão em acordo com regime adotado pela comunidade: na democracia a liberdade, na aristocracia a virtude, na oligarquia a riqueza, devendo haver uma igualdade proporcional, ou seja, a relação existente entre as pessoas deve ser a mesma que entre as coisas.
Quando isso não acontece, é indispensável a justiça corretiva, visando o restabelecimento do equilíbrio nas relações privadas, tanto as voluntárias, como nos contratos, quanto nas involuntárias que acontecem quando existem atos ilícitos, em que a igualdade buscada é aquela expressa na equivalência entre o dano e a indenização.
São Tomás de Aquino, frei dominicano e filósofo, ao final do século XIII continua a tradição aristotélica: “a justiça consiste em dar a cada um o que lhe é devido.”
Herdamos estes pensamentos, e, no entanto, temos imensa dificuldade com a equidade, agir com integridade implica na adoção de critérios, e critérios são difíceis de serem estabelecidos; poucos podem orgulhar-se de estabelecer sempre bons parâmetros de julgamento.
Juízes e professores tem este pressuposto como básico em suas respectivas profissões, e ambos sabem que não é simples, rotineiras correções de provas ou trabalhos escolares exigem critérios muito definidos, sob pena de cometer terríveis injustiças. Mais complexo ainda é definir critérios para o que denominamos honrarias acadêmicas, que todas as escolas de todos os níveis concedem eventualmente, desde um “doutor honoris causa” às estrelinhas em cadernos de melhores alunos no ensino fundamental. Juízes muitas vezes tem a própria vida de outrens a serem julgadas, premiadas ou castigadas, e evitar juízos prévios – muitas vezes criados midiaticamente – preconceitos e destruição de reputações talvez constitua uma das mais complexas atividades que exercem.
Qualquer tipo de empresa, educacional ou não, tem aliás o mesmo impasse a cada vez que necessitam premiar seus colaboradores, nas organizações, desde a escolha do “funcionário do mês” até prêmios em dinheiro, distribuir reconhecimentos e louvores não é operação que possa ser realizada sem reflexão.
Critérios devem levar em conta a origem dos fatos, que compreendem seleção primária de valores, os quais envolvem atributos próprios ou características típicas do que é desempenhado por diferentes profissionais; a análise das ocorrências, normalmente numa seleção hierárquica que leve em conta, para além dos valores dos casos escolhidos, fatores inseridos dentro daquela organização específica, como formato do desempenho/produto/evento, qualidade do material apurado, infraestrutura disponível, tecnologia e outros, e, principalmente, uma excelente visão dos episódios, a partir de fundamentos éticos, filosóficos e epistemológicos compreendendo conceitos de verdade, imparcialidade, objetividade, os quais devem orientar inclusive as ações e intenções das instâncias ou eixos anteriores.
Nada fácil, nada imediato. Assim como a ausência absoluta de reconhecimentos, as premiações sem critérios acarretam forte sensação de injustiça, que mina o esforço de muitos, provocando consciência da invisibilidade, ausência de entusiasmo, desinteresse pelas diligências indispensáveis, aplicação no exercício profissional.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil. <wcmc@mps.com.br>