Silvio Renato Rangel Silveira alertou a necessidade de rever os conceitos e modelos da previdência e de instituir um regime capitalizado
O consultor e professor Silvio Renato Rangel Silveira ministrou palestra “Previdência Complementar: aspectos gerais e sua importância no contexto da PEC 6/2019”, no dia 31 de maio, durante café da manhã promovido pela Associação dos Procuradores do Estado do Paraná – APEP. O evento aconteceu num momento em que se discute a reforma previdenciária, que deverá ter forte impacto no regime de aposentadorias e pensões dos servidores públicos. Neste contexto, a Previdência Complementar surge como o principal instrumento de proteção dos segurados e minimização de riscos.
Rangel Silveira destacou que a sustentabilidade é uma característica intrínseca da previdência, pois deve assegurar que os compromissos assumidos sejam honrados, não só para as gerações atuais, mas também para as futuras e em condições de igualdade. De acordo com o professor, o problema é que o sistema de previdência no Brasil deixou de ser sustentável e demanda medidas urgentes e estruturais para assegurar seu equilíbrio. Garantiu que “nosso sistema de previdência não é sustentável, e precisamos rever conceitos e modelos”. Citou como alternativa a previdência complementar capitalizada. “Além da vantagem direta de tornar a previdência sustentável, esse sistema de previdência complementar forma capital de longo prazo que contribui para a estabilidade e para o crescimento do país, gerando empregos, melhorando a infraestrutura, enfim, resolvendo muitos dos gargalos que impedem o desenvolvimento e enriquecimento de uma nação”.
De acordo com o professor, a reforma previdenciária é necessária no Brasil, e não só a mudança paramétrica do regime existente, mas também a obrigatoriedade de instituição de previdência complementar para servidores públicos, e a aprovação do regime de capitalização para as novas gerações. “Quanto ao melhor sistema de previdência em um país, penso que ele deve ser misto para garantir um mínimo a qualquer cidadão e permitir, caso ocorra a superação desse limite, que sejam constituídas pelo próprio cidadão e por seu empregador, mediante contribuições para uma conta individual capitalizada, ao longo do tempo, reservas suficientes para pagar os benefícios de aposentadoria no futuro”, ressaltou.
Rangel Silveira advertiu que previdência complementar exige boa governança, capacidade de obtenção de rentabilidade e custos adequados, transparência e flexibilidade de escolha para os participantes, incentivando a comparabilidade e a concorrência. Afirmou que o sistema brasileiro de previdência complementar dispõe de produtos diferenciados, oferecidos pelo Sistema Fechado (fundos de pensão, sem fins lucrativos) e pelo Sistema Aberto (bancos, seguradoras, com fins lucrativos). Informou que o patrimônio acumulado desses dois sistemas atinge hoje a cifra de R$ 1,6 trilhão, “demonstrando sua força e importância para o desenvolvimento do país”, frisou. Lembrou que no sistema fechado, são pagos mais de R$ 40 bilhões por ano para 900 mil aposentados e pensionistas, figurando como um dos mais importantes pagadores de benefícios do país, depois do INSS. Quanto ao Sistema Aberto, informou que seu uso atual ainda se dá mais como instrumento financeiro e tributário do que previdenciário propriamente dito.
O professor entende que, para estados e municípios que vierem a instituir seus regimes de previdência complementar, a melhor modalidade seria a administrada por entidades fechadas, multipatrocinadas e sem fins lucrativos, com patrimônio segregado e governança profissionalizada. “Esse modelo pode contribuir para a evolução da governança, diminuindo vulnerabilidade a mudança do comando político em um estado ou município, ao mesmo tempo em que melhora benefícios e reduz custos, direcionando todo o resultado financeiro da rentabilidade e do ganho de escala em benefício dos servidores participantes, porque essas entidades não têm fim lucrativo”, explicou.
Rangel Silveira mencionou a importância de debates sobre as características e custos da transição do atual regime previdenciário para o novo, e também sobre a eventual possibilidade de os atuais servidores vinculados ao regime próprio aderirem ao regime complementar capitalizado. “A vantagem ou não, para o servidor, de aderir voluntariamente a essa mudança de regime, se essa opção lhes for oferecida, dependerá das regras de transição de cada ente federado, das condições específicas da carreira de cada servidor, de seus planos futuros de permanecer ou não no serviço público, de sua condição familiar e de sua percepção sobre a sustentabilidade do sistema de previdência vigente”, comentou. “Enfim, essas muitas variáveis demandarão análise individual de cada servidor, em cada estado ou município, para escolher a melhor alternativa em seu caso concreto”, sublinhou o professor.
Ao finalizar sua apresentação, Rangel Silveira opinou que, em face da atual situação, recomendaria o apoio vigilante às reformas previdenciárias em curso, até porque não apoiá-las significaria optar pelo caos iminente. Recomendou que os interessados acompanhem os debates para compreender os números que levam ao diagnóstico do problema, entendam as deficiências do sistema vigente e as propostas em curso, e avaliem os pontos da proposta que merecem atenção ou até mesmo retificação. “Assim, estarão se preparando tanto para influenciar nos rumos da discussão como para tomar uma decisão sobre a adesão ao novo sistema de previdência complementar que, em breve, provavelmente, terá que ser tomada”, concluiu.
Demografia e Déficit Atuarial da Previdência
Os sistemas de previdência, não só no Brasil, mas em todo o mundo, tiveram origem em uma época em que a demografia era baseada na chamada “pirâmide demográfica”, em que a base de jovens era muito mais numerosa do que o topo, de idosos. Isso permitia que um grande número de contribuintes pudesse sustentar um pequeno número de beneficiários, com contribuições aceitáveis.
Mas a sociedade mudou, e, no Brasil, com uma velocidade muito maior do que em outros países. Enquanto a França levou quase de 100 anos para dobrar sua população de idosos, no Brasil esse fenômeno se dará em apenas 19 anos. Portanto, no Brasil e no mundo, a antiga pirâmide demográfica está se invertendo, influenciada simultaneamente pelo aumento da longevidade e pela redução da natalidade. Com menos contribuintes e mais beneficiários, o sistema antes sustentável não o é mais, e demanda medidas urgentes e estruturais para assegurar seu equilíbrio.
Em uma guerra, a primeira vítima é a verdade. Nessa batalha de informações sobre a existência ou não do déficit previdenciário, não é o déficit financeiro de curto prazo que define o equilíbrio, e sim a sustentabilidade de longo prazo, dada por cálculos atuariais. E, nesse quesito, a situação é ainda mais grave, com déficit atuarial estimado de R$ 8 trilhões, se considerados os regimes geral e próprio da união, estados e municípios. Nesse contexto de desequilíbrio intergeracional, não existe mágica financeira ou contábil que seja capaz de fazer sumir a nova realidade demográfica. E, se nosso sistema de previdência não for sustentável, não será mais um sistema de previdência, mas sim um sistema de imprudência e de negligência com as gerações atuais e futuras. Por isso, a importância de revermos os conceitos e os modelos.
Silvio Renato Rangel Silveira