O setor aeroportuรกrio tem passado por intensas modificaรงรตes, nas รบltimas dรฉcadas: de um modelo acentuadamente dependente do Estado para outro que se mostra aberto ร iniciativa privada. Um passo importante nesse sentido foi dado no รบltimo dia 15 de marรงo, com o leilรฃo de trรชs blocos de aeroportos a serem concedidos a consรณrcios privados.
Esse leilรฃo de 12 aeroportos com diferentes tamanhos foi significativo porque, pela primeira vez, nรฃo estava prevista a participaรงรฃo da Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuรกria). Nos leilรตes anteriores, a presenรงa da estatal era obrigatรณria, detendo um percentual de 49% dos aeroportos concedidos. Esse modelo anteriormente utilizado nรฃo vinha atendendo bem ร s expectativas devido ร falta de capacidade da empresa em aportar os valores de investimento inicialmente previstos, causando entraves ร s ampliaรงรตes necessรกrias nos aeroportos.
O governo brasileiro vem tendo, jรก hรก algum tempo, dificuldades financeiras – o que vem implicando em reduรงรฃo na sua capacidade de investimentos, especialmente na infraestrutura do paรญs. Nรฃo por outro motivo, vemos a concessรฃo de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos a empresas ou grupos de investidores que, por meio da exploraรงรฃo do serviรงo por determinado tempo, se responsabiliza pelo investimento em melhorias e ampliaรงรตes na infraestrutura.
ร importante relembrar que a Infraero foi concebida no inรญcio dos anos 1970, como uma forma de levar a infraestrutura aeroportuรกria para locais que naturalmente teriam dificuldades em atrair investimentos. Naquela รฉpoca, o governo procurou levar essa infraestrutura para as capitais dos estados, mas em especial tambรฉm para cidades mรฉdias do interior, como forma de estimular o crescimento. De outra forma, essas cidades ficariam quase que isoladas, algumas com poucas ligaรงรตes por estradas de ferro, mas a maior parte apenas com as precรกrias estradas.
Um aeroporto รฉ uma porta de entrada de negรณcios (como comรฉrcio e turismo) e cargas sensรญveis. Permite rรกpido acesso para as empresas e atรฉ para pacientes de hospitais. Sem um aeroporto funcional, uma cidade praticamente nรฃo se desenvolve alรฉm de certo patamar. Por esse motivo, e ciente da incapacidade do mercado de aportar as elevadas somas no desenvolvimento e operaรงรฃo de um aeroporto, que o Estado brasileiro instituiu, ร รฉpoca, a Infraero. De modo geral, poderia se dizer que o objetivo era โinteriorizar o progressoโ. ย ย ย
O custo dessa operaรงรฃo seria alto. O governo sabia que grande parte desses aeroportos seria deficitรกrio por longo tempo. Mas o que se buscava era proporcionar ligaรงรตes e oportunidades e, se nรฃo evitar, ao menos reduzir a diferenรงa entre o desenvolvimento entre as capitais, litoral e interior. E somente uma empresa estatal, que nรฃo teria o compromisso de buscar o lucro de todas as formas, poderia fazer isso. ย
E a Infraero fez isso, na maior parte do tempo com eficiรชncia e alto grau de qualidade. Estruturou e operacionalizou aeroportos por todo o Brasil – inclusive, e isso nรฃo รฉ muito lembrado, capacitando as pessoas na operaรงรฃo dos serviรงos, algo que sรณ ela sabia fazer. Na รบltima dรฉcada, mais de 60 aeroportos foram administrados pela empresa – o que agora, lentamente, vai se modificando. E vai se modificando por vรกrios fatores. Por um lado, os aeroportos que seriam fundamentais para este acesso do desenvolvimento foram (a maior parte deles) estruturados. Assim, hoje รฉ possรญvel que as empresas avancem ao interior e praticamente todas as capitais, por meio aรฉreo – e com seguranรงa.
O mercado se modificou – e esse foi outro fator decisivo na percepรงรฃo de que a Infraero pode hoje deixar sua missรฃo fundamental de montar a infraestrutura e operรก-la, para que o mercado assuma essa responsabilidade. Hoje, hรก investidores com capacidade e interesse nesse investimento. Ao menos nos locais mais atrativos.
Com a passagem dos principais aeroportos do paรญs ร iniciativa privada, nรฃo รฉ possรญvel continuar a exigir da Infraero os mesmos resultados financeiros positivos que ela vinha apresentando atรฉ 2012, no inรญcio das concessรตes. Essa conta dependia de um equilรญbrio, agora rompido, pois sem os lucrativos grandes aeroportos, como manter aqueles ainda em desenvolvimento sem ocorrer em prejuรญzo?
Por outro lado, em que pese a competรชncia demonstrada na operaรงรฃo dos aeroportos, confirmada pela boa avaliaรงรฃo dos usuรกrios nas unidades por ela administradas, รฉ fato que os investimentos nos aeroportos jรก concedidos ร iniciativa privada demonstram um resultado de crescimento maior em termos de movimento de cargas e pessoas – consequรชncia de ampliaรงรตes e melhorias nas infraestruturas que a Infraero nรฃo tem tido condiรงรตes de aportar, especialmente nos รบltimos anos.
Quando se pretende discutir o fim da Infraero, no entanto, รฉ preciso que se tenha em mente a funรงรฃo para a qual ela foi criada – e ver se os objetivos jรก foram cumpridos. Parece natural que o mercado e sua incrรญvel capacidade investidora deva participar cada vez mais na gestรฃo dos aeroportos, por diversos motivos, mas a questรฃo fundamental nรฃo รฉ administrar os grandes aeroportos. A questรฃo fundamental รฉ: jรก nรฃo precisamos mais da presenรงa do Estado atuando estrategicamente no desenvolvimento dos mรฉdios municรญpios, muitos deles remotos? Jรก chegamos ao ponto de o paรญs poder abrir mรฃo da visรฃo estratรฉgica que gerou a criaรงรฃo da Infraero? Essa รฉ a questรฃo.
*Fรกbio Augusto Jacob รฉ Coronel Aviador da reserva da Forรงa Aรฉrea Brasileira, coordenador e professor da Academia de Ciรชncias Aeronรกuticas Positivo (ACAP) da Universidade Positivo, em Curitiba (PR).