Setembro chegou e ele é amarelo. Mas o que isso quer dizer? Na cultura chinesa, por exemplo, a cor é utilizada para representar a dinastia do Imperador Huang, primeiro chefe tribal de sua confederação, representando força, perseverança e grandes conquistas. Para os nipônicos, o amarelecer dos crisântemos, flor símbolo da Família Imperial, faz jus à elegância e à altivez.
Já para nós, ocidentais, o amarelo é sinal de alerta. Longe da ancestralidade mística das terras que habitam o outro lado dos Montes Urais, cordilheira que separa o continente europeu do asiático, no mês de setembro, abrimos os nossos “olhos cerrados” para ver o que nem sempre conseguimos enxergar: a cada 56 segundos, uma pessoa comete suicídio no Brasil.
E por que motivo isso ocorre? De acordo com estudos realizados pela agência especializada em saúde, World Health Organization, localizada na cidade de Genebra, na Suíça, 70% das tentativas de autoextermínio estão relacionadas à depressão: moléstia que, atualmente, acomete 121 milhões de pessoas, provocando uma espécie de curto-circuito cerebral.
Para a instituição, a depressão é como uma “Bomba de Hiroshima”. À medida que os níveis de serotonina, neurotransmissor responsável por modular as sensações de humor e bem-estar na estrutura do cérebro, deixam de operar normalmente, ocorre o que se chama de “efeito lutar ou fugir”. Isto é: para amenizar o sofrimento, nada melhor do que tentar tirar a própria vida.
Psicologicamente falando, neurônios defeituosos implicam em um psiquismo manco. Uma vez que o tecido neuronal dá contorno às emoções, sem o combustível vital para a positividade, a teia formada pelas relações afetivas começa a “quebrar”, deixando o deprimido em uma realidade em que seus destroços internos compõem um cenário de conflagração e ruína.
Assim, é como se a mente do deprimido dissesse: “não posso confiar mais no que penso e muito menos no que sinto. A minha dor é tão grande, tão profunda e tão sem forma que, para me ver livre desse cinza existencial, só me resta descansar em paz. Para isso, acho que vou começar a pensar em maneiras rápidas e fáceis de eliminar este estado de uma só vez”.
Paráfrases lúgubres à parte, antes que este desejo possa vazar para a mente consciente e se transforme em um plano friamente calculado ou se faça valer por meio de impulsos involuntários rumo ao grand finale, a escuta suficientemente atenta daqueles que estão mais próximos do enfermo pode ser o alerta-amarelo para prevenir situações de risco iminentes.
Mas como fazer isso? Primeiramente, é comum que a pessoa deprimida recorra a discursos intitulados “deleito de morte”. Sabe aquelas frases como: “quero dormir e só acordar no mês que vêm” ou “queria que abrisse um buraco na terra para que eu pudesse me enfiar?”. Elas indicam que a fantasia e o prazer de estar morto suplantam a vontade e a alegria de viver.
E o que dirá das ideações paranóicas? Como o ódio interno está exacerbado devido à falta de desfastio anímico, também é frequente que pessoas em risco de morte interpelem as loquelas projetivas: “já estou antecipando a divisão dos meus bens, no caso de algum problema” ou, ainda, “já deixei as expensas do meu funeral pagas, vocês não terão com o que se preocupar”.
Prostrado está, melancólica a sua linguagem ficará. Se tudo na vida parece não ter mais graça, toda e qualquer fonte de prazer será atacada funestamente, gerando como se fosse uma espécie de mortalha autodirigida: “não acho mais graça nesse programa de televisão”, “meus amigos não são mais os mesmos” e “esta cidade não é mais como fora em outras épocas”.
Por fim, resta-nos a difícil decisão: interferir ou não interferir? Se avançarmos demais, nos tornaremos nauseabundas muletas maternas. Se recuarmos, talvez o combalido ponha-se a delirar, metamorfoseando-nos enquanto peste responsável pela sua própria desgraça. Afinal, como já diria na Terra do Sol Nascente: “a felicidade só depende de nós mesmos”.
*Renan Cola é psicanalista da É Freud, Viu? <efreudviu@gmail.com>