Por Viviane Doelman*
O antropólogo americano Joseph Campbel descreveu, no século 20, o clássico A Jornada do Heroi, narrativa das etapas pela qual todo o heroi vai passar em sua história, e que estão presentes nos mitos e lendas de quase todas as culturas.
Dessa estrutura surgem incontáveis analogias, e a que proponho aqui é a Jornada à Governança Corporativa. Avaliando as diferentes empresas que pensam sobre ela ou que efetivamente tomam passos para sua implantação, há um caminho que se repete, apesar das diferenças entre os negócios, setores e mercados. Pontos de decisão em comum, em que a empresa, o empreendedor, o empresário, precisam decidir se e como desejam caminhar.
Ela é desafiadora, principalmente para empresas consolidadas. Exige mudanças, alteração do status quo, adoção de novos processos e formas de deliberação.
Impõe transformação cultural e acaba evidenciando um paradoxo: o que levou a empresa ao sucesso foi, em grande parte, sua cultura.
A jornada da Governança exige visão tática e prática. Do contrário, vai resultar em um emaranhado de regras não utilizadas ou que contrariam a essência da empresa, dificultando a ação e a dinamicidade do ambiente.
Acompanhe a seguir as etapas da Jornada à Governança Corporativa:
- Mundo Comum
A maioria das empresas não nasce com práticas de Governança Corporativa instaladas, mas com a visão e a ambição do empreendedor, que estabelece seu negócio num ambiente empresarial difícil, com metas financeiras, de crescimento, de gestão, de pessoas, impostos, etc. Antes de considerar a GC, as empresas vivem num “mundo comum”, focadas no resultado de curto prazo. É necessário sobreviver e consolidar o negócio.
2. O chamado da aventura
Conforme a maturidade do negócio evolua e permita, as empresas enfrentam episódios que atrapalham sua rotina. O fundador dá sinais de que já não gostaria de estar tão envolvido nos detalhes do dia-a-dia, a fatia de mercado duramente conquistada é ameaçada por concorrentes inesperados, o ambiente empresarial muda com leis e regulações e a empresa é afetada financeiramente pelo apetite de sócios sobre dividendos. Fica claro que é preciso mudar e avaliam-se outros caminhos, em que a navegação seja menos difícil.
3. Recusa ao chamado
Apesar de tudo apontar para mudança, sair da zona de conforto é um grande desafio. Medidas de curto prazo atenuam os efeitos dos problemas, consegue-se um ‘respiro’ numa negociação de dívida, ou um golpe de sorte reduz o impacto do concorrente. Acredita-se que “as coisas são como são” e a rotina é retomada.
4. Encontro com o mentor/mestre
Durante algum tempo, a empresa continua fixada em sua vida comum, até que um acontecimento faz tudo mudar. Podem ser algo trivial, como a participação num evento, a leitura de um livro pelo acionista ou diretor executivo, o contato com outras empresas que se tornam bons exemplos de novas práticas, ou maus exemplos pela sua não adoção. Fato é que há um catalisador que impulsiona a empresa a colocar em prática aquilo que vinha considerando.
5. A primeira travessia
Depois de pesquisar, conversar, identificar potenciais parceiros, enfim, preparar-se para a jornada, é hora de dar o primeiro passo. Nesta etapa identificam-se diferentes perfis de empresa. Algumas optarão por tentar fazer a mudança de forma interna. Outras buscarão ajuda externa sem muita referência. Outras ainda se munirão das mais avançadas práticas. Para que a primeira travessia se constitua na única travessia, é necessário uma avaliação criteriosa de parceiros que consigam construir conjuntamente a nova estrada, mantendo a essência da empresa, mas sem receio de trazer o desconforto necessário para que mudanças aconteçam.
6. Provações, aliados e inimigos
Nesses primeiros momentos o ambiente interno expõe aliados, sócios e colaboradores engajados no processo. Por outro lado, inimigos começam a aparecer — pessoas que defendem a forma como tudo tem sido feito até o momento, que se sentem ameaçadas pelas mudanças. Ao ser implantada, a Governança Corporativa pode ser percebida como burocrática e engessadora. É preciso vencer essa etapa para que ela adquira maturidade e passe a ser influenciadora e agregadora de valor. Esta é a provação – resistir para não cancelar os investimentos e voltar ao mundo comum, ou implantar uma pequena parte que não trará a mudança necessária, resultando em GC pro forma.
7. Aproximação – o herói tem sucesso durante as provações
Quando a GC é implantada de forma gradativa, respeitando a empresa e de forma conjunta com a gestão, pequenas vitórias passam a acontecer, e a organização começa a perceber valor agregado nas mudanças. Esta percepção e a consciência de que se está numa fase estruturante faz com que os “aliados” ganhem destaque na organização e passe a ser mais fácil a identificação dos “inimigos”.
8. Provação
Surge um novo desafio. Por exemplo, o Conselho se depara com conflitos de interesse que colocam a dinâmica das decisões em dúvida. Ou a dívida de longo prazo é chamada para o curto prazo e a estrutura de GC, com seu conselho e comitês, tem que ficar em segundo plano. Nesse contexto é essencial se apoiar nas ferramentas da GC, utilizando-se das práticas, dos fóruns de deliberação e da inteligência trazida para dentro da empresa para priorizar a solução de curto prazo sem perder a visão do longo prazo.
9. Recompensa. O herói se recupera
Se mesmo diante de percalços e receios a empresa seguir em frente, a provação será vencida. Como resultado, poderá tomar decisões úteis para situações específicas e que também mitiguem riscos futuros. Ou consiga gerenciar suas perdas de forma que se tornem ganhos potenciais no médio prazo. Em todos os casos, a organização e seus agentes percebem que conseguiram uma nova maturidade em relacionamentos, conhecimentos e habilidades que os levará mais próximo de seu objetivo – incorporar práticas que permitam à empresa tornar-se longeva, com retorno para seus acionistas, de forma sustentável e responsável.
10. O caminho de volta – o herói deve voltar ao mundo comum
Ao atingir um determinado nível de GC, o desconforto dos primeiros tempos é vencido. Passa-se a conviver com as estruturas de governança e a se ter clareza dos assuntos pertinentes a estes fóruns ou à gestão. O “mundo comum” desta organização passa a ser diferente.
11. Ressurreição
Uma vez que já se tenha estabelecido o modelo que melhor se adequa as suas necessidades e a dos stakeholders, a empresa pode sentir que sua jornada terminou. Mas ela deve continuar de forma ininterrupta, evoluindo e tornando a governança influenciadora não só nos níveis de acionistas e conselheiros, mas em toda organização.
12. Regresso com o elixir
Um novo chamado pode aguardar empresas que busquem níveis mais sofisticados e complexos de governança, ou utilizem os conhecimentos que já têm para encontrar novas formas de usá-lo em outros negócios, criando novos modelos, etc.
*Viviane Doelman é consultora em governança corporativa e sócia da 3G Governança, Gestão e Gente – www.3gconsultoria.com.br
Sobre a 3G Consultoria – Governança, Gestão e Gente
A 3G Consultoria trabalha junto a acionistas, famílias, conselhos e diretoria executiva. Oferece serviços que criam condições para a longevidade e saúde dos negócios, ajudando-os a construir um adequado ambiente organizacional e resultados mais sólidos, consistentes e duradouros. As soluções e serviços respeitam o momento e as características de cada empresa, alinhando todos os sujeitos na adoção das melhores práticas de Governança Corporativa e buscando assegurar o alto desempenho. Saiba mais em www.3gconsultoria.com.br