Por que estamos ouvindo falar tanto sobre Regime de Colaboração na educação?

Nunca o termo Regime de Colaboração esteve tão presente no debate da educação pública brasileira. Mas você sabe o que ele realmente significa e por que ele tem ganho tamanha relevância? Imaginemos uma criança no início da sua trajetória escolar, para a qual daremos um nome fictício de João. Imaginemos também que o João estudará sempre em escolas públicas, a exemplo de 80% das crianças e jovens brasileiros.

Ele iniciará na educação infantil, frequentando a creche e a pré-escola. Depois seguirá para a educação fundamental I (do 1º ao 5º ano), e para a educação fundamental II (do 6º ao 9º ano). Alcançará o ensino médio e, possivelmente, chegará ao ensino superior.

À medida que os anos passam, invariavelmente, o João precisará mudar de escolas e de professores. Muito provavelmente, desde a creche até o quinto ano ele estudará em uma escola gerida pelo Município. Do sexto ano em diante poderá estudar em uma escola municipal ou estadual.  Já quando chegar ao ensino médio, provavelmente estudará em um colégio gerido pelo Estado.

Mas, por que o João terá que mudar de escolas, ora geridas pelo Município e ora pelo Estado?  Porque o Brasil adotou o regime federalista como modelo de organização política. E, nesse regime as responsabilidades dos entes federados (a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios) são compartilhadas. Na educação não é diferente, existe uma repartição de competências para a oferta das matriculas, por conseguinte, para a gestão de todo o sistema de ensino.

Nessa divisão, a educação infantil e a primeira etapa do ensino fundamental são basicamente competência dos Municípios. A segunda etapa da educação fundamental e o ensino médio são, prioritariamente, responsabilidade dos Estados. No entanto, ainda existem Municípios e Estados que ofertam matrículas fora da sua competência prioritária.

Mas, você deve estar se perguntando, de fato, quais dificuldades essas mudanças podem acarretar na vida acadêmica do nosso aluno João?

Pois bem, não deveria haver dificuldades, mas elas existem e são muitas. Especialmente devido às diferenças entre a estrutura e a gestão dos sistemas educacionais, tanto entre Municípios, quanto entre Municípios e Estado.  Os modelos podem ser bastante distintos: desde a estrutura financeira e técnica das secretarias de educação, passando pela infraestrutura das unidades educacionais, concepção pedagógica, formação dos professores, valorização do trabalho docente, gestão das faltas dos profissionais, modelos de avaliação, entre tantos outros.

Não podemos esquecer que o nosso país possui 26 estados, além do Distrito Federal, e 5570 municípios, cada um gerindo sua própria rede de ensino. Desses municípios, 70% são de pequeno e médio porte, com inúmeras dificuldades financeiras e técnicas.  Compreender essas dificuldades e buscar estratégias de cooperação entre municípios que estão próximos entre si, via Arranjos de Desenvolvimento da Educação, Consórcios ou, então, com o apoio do governo do estado e da União e assim buscar soluções conjuntas para a formação dos docentes, melhores práticas de gestão do recurso público, aperfeiçoamento do currículo, das avaliações, do suporte pedagógico, gestão escolar, entre tantos outros. Estas são algumas das maneiras de efetivar o Regime de Colaboração, conforme previsto na Constituição, reforçando interdependência existente entre os entes federados sem ferir a autonomia de cada um.

Ocorre que os programas e as políticas atuais ainda não são suficientes para enfrentarmos como nação as grandes desigualdades educacionais que levam, sem dúvida, à desigualdade social.  A consolidação de um sistema nacional de educação, estabelecendo fóruns federativos que possam servir de espaços de diálogo e acordos entre os sistemas é urgente e fundamental.

No cenário educacional brasileiro, de cada 100 crianças que ingressam na escola, 86 concluem o 5º ano, 76 concluem o 9º ano e apenas 59 concluem o ensino médio. E deste total, apenas 27,5% com aprendizagem adequada em língua portuguesa e 7,3% em matemática. Além desse triste cenário, os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) demonstram que nossos alunos estão desaprendendo ao longo da trajetória acadêmica.

Os gestores e educadores brasileiros estão despertando para discutir e priorizar políticas que, de fato, garantam a efetividade do Regime de Colaboração, por meio de ferramentas que possibilitem ao João, ao lado dos quase 49 milhões de alunos matriculados na rede pública de ensino, tenham direito a uma trajetória acadêmica que oportunize uma educação de maior qualidade e equidade.

*Eliziane Gorniak é diretora executiva do Instituto Positivo.

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