Fruto da aprovação no âmbito da Câmara dos Deputados de proposta de Emenda Constitucional que vincula a necessidade de aplicação de 1% das receitas da União nas chamadas emendas parlamentares ao orçamento, despesas a serem realizadas nas bases eleitorais dos deputados e senadores, o assunto continua em pauta. A imprensa passou a chamar de “PEC do Orçamento Impositivo”, dando a entender tratar-se de novidade insuportável sob o ponto de vista da gestão financeira e orçamentária e causa de engessamento de eventuais ações do governo, particularmente no que se refere aos investimentos públicos necessários para desatar o nó econômico no qual o país se encontra há seis anos, desde que percebeu-se o colapso fiscal das contas públicas.
Tais colocações parecem mal situadas e com fundamentos fáticos e jurídicos questionáveis. Inicialmente, a ideia de orçamento impositivo é inerente ao Estado Democrático, no qual não existe a figura do “reizinho senhor da verdade e centralizador de todas as decisões”, no sentido de que cabe apenas ao Poder Executivo dar aplicação àquilo que seja o resultado do processo legislativo: as leis. Em relação ao orçamento público não é diferente a partir do momento em que se estabelece procedimento formal para aprovação da peça orçamentária do Governo no âmbito do Poder Legislativo, embora caiba importante papel inicial ao Executivo de apresentar o projeto de lei orçamentária, vale a palavra final do Congresso ao autorizar todo o conjunto de despesas públicas à luz da previsão de receitas, o que é feito ano após ano e cristalizado na chamada Lei Orçamentária Anual. Apenas de modo extraordinário e fundamentado é que o Poder Executivo pode aprovar créditos adicionais que alterem a previsão original. No mais, no mundo civilizado em que prevalecem Governos democráticos, as leis orçamentárias têm sempre caráter vinculado e impositivo ao Poder Executivo. No atual regime constitucional brasileiro, fundamentado na Constituição de 1988, é assim.
Lamentável o que tem sido observado nos últimos anos é uma série de atentados às disposições da Constituição sobre orçamentos públicos, como as “pedaladas fiscais”. Isto é o que explica a situação de falência fiscal da quase totalidade dos Governos Estaduais, por exemplo, pelo que, sob a perspectiva técnica e jurídica, a PEC em questão apenas ressalta e reforça algo que já existe e deveria ser vinculante para os Governos em geral: cabe ao Executivo limitar-se a aplicar os recursos conforme o definido nas leis orçamentárias, tolhendo-se amplas possibilidades de discricionariedade e liberdade do gestor, cuja prática não se tem demonstrado adequada, haja vista o colapso fiscal de Municípios, Estados e Governo Federal. A ideia é que quanto maior a liberdade orçamentária para os gestores, quanto menos impositivo for o orçamento, quanto mais vistas grossas se fizer ao que preveem as leis orçamentárias, mais irresponsável tende a ser a gestão financeira da coisa pública. O resultado é o que a população tem sentido na pele a necessidade premente de reformas previdenciária e tributária. Mas continuamos a ouvir diuturnamente que a PEC engessa, dificulta, inviabiliza o governo. Fica a sugestão: abaixo o orçamento impositivo, abaixo a vinculação dos Governos ao que prescrevem as leis, abaixo os controles da Administração Pública: viva o caos!
*Flávio Berti é doutor em Direito do Estado e procurador-geral do Ministério Público de Contas do Paraná. Professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.