Ano novo – calendário e sentimento / Por Wanda Camargo

Sentimos a passagem do tempo de duas maneiras: a que compreende as datas inscritas no calendário, as efemérides; e a natural, na qual o tempo é fluido, está ligado ao movimento da Terra em torno do Sol, que nosso planeta completa a cada trezentos e sessenta e cinco dias e seis horas, aproximadamente. O fato de a órbita ser elíptica e a inclinação do eixo da Terra são responsáveis, numa visão simplificada, pelas estações do ano e sua mudança; o chamado solstício ocorre quando a incidência dos raios solares é máxima num hemisfério da Terra, o início do verão, e mínima no outro, o início do inverno. 

Tais eventos não dependem de convenção, ocorrem em datas e horários que atualmente são determinados com grande precisão; outras efemérides marcam datas em que determinados acontecimentos significativos ocorreram, sem tantas minúcias, a menos que se seja autor de “mapa astrológico”.

O início de um novo ano poderia ser marcado para qualquer dia, considerando o movimento circular da Terra que é, conforme se sabe há uns dois mil anos, redonda. O dia primeiro de janeiro foi convencionado como início do ano em 1564, pelo rei Carlos IX da França ao adotar o calendário gregoriano, até então o ano novo era comemorado no equinócio da primavera, entre os dias 25 de março e 1 de abril. O primeiro de abril passou a ser o “dia da mentira” quando muitas pessoas não se conformaram com a mudança e passaram a ser vítimas de brincadeiras de amigos, que as convidavam para festividades inexistentes de ano novo nesse dia.    

Chineses, embora atualmente adotem o calendário ocidental por pragmatismo, mantém o seu calendário lunar para festividades, o ano novo chinês será no dia 25 de janeiro de 2020. O ano judaico 5781 terá início no dia 18 de setembro de 2020, segundo a tradição será comemorado de modo introspectivo e espiritualizado. 

Os primeiros relógios fabricados não tinham ponteiros de minutos, pois além das prováveis dificuldades técnicas, praticamente ninguém tinha necessidade de saber que eram exatamente três horas e quarenta e sete minutos, por exemplo. Bastavam os sinais da Natureza quanto ao tempo de plantar e de colher, de alimentar os animais e ordenhar vacas e cabras, quando o sol se punha era hora de dormir, quando começava a clarear hora de levantar e trabalhar. A vida cultural e espiritual era regrada pelos sinos das igrejas chamando para a missa e conclamando as orações. Uma vida mais simples? Talvez, mas a expectativa média de vida era de trinta e cinco anos, se a pessoa tivesse muita sorte. 

Hoje, comemoramos o Réveillon como se não houvesse amanhã, e segundo alguns pode não haver mesmo mas estes são exagerados. Ruy Castro, em seu livro “Metrópole à beira-mar” lembra a excelência e a loucura do Carnaval de 1919 no Rio de Janeiro, “quem sobreviveu não perderia por nada aquele carnaval”. A sobrevivência citada é à Gripe Espanhola que, entre 1917 e 1918, matou no mundo entre 20 e 50 milhões de pessoas. Não é coincidência, a períodos de grandes catástrofes seguem-se tempos de expiação sucedidos por grandes festas. 

Rituais são importantes, nos conectam com o tempo e a vida, e com a passagem do tempo e da vida: vestir branco ou outra cor, pular ondas, comer ou não certos alimentos, abraçar entes queridos; isso provavelmente não terá influência em nossa saúde, e vida financeira ou afetiva, mas fará muita diferença na maneira de vermos a vida.

Carl Jung, o pouco convencional criador da psicologia analítica e cujos estudos ainda influenciam também a antropologia, filosofia e teologia, conta do xamã de um povo “primitivo” que teria como principal atribuição conjurar o nascer do sol toda madrugada. E teria dito: “talvez o sol precise mesmo ser ajudado a nascer todos os dias”.

Vamos trazer o sol para nossa vida. Feliz Ano Novo!

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

wcmc@mps.com.br

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