Acedriana Vicente Vogel*
Cada famรญlia gesta a sua identidade, ainda que algumas vezes, de forma inconsciente. A identidade familiar se alimenta da vitalidade das diferentes identidades que a constitui, na medida em que inclui a todos e a cada um, em particular. Por esse motivo, รฉ, por excelรชncia, orgรขnica, pois necessita do sentimento individual de pertencimento ao coletivo da instituiรงรฃo.
Ousamos relacionar o valor da famรญlia ร sua capacidade de estabelecer o lugar de valor de cada um. Trata-se de reconhecer e assegurar os espaรงos para as singularidades, energia vital ร gรชnese de uma famรญlia. Essa inserรงรฃo depende, em grande medida, dos adultos referentes, aqueles que exercem o papel de autoridade de fato, o que nem sempre coincide com quem ocupa o papel de autoridade de direito, os ditos โresponsรกveisโ.
Os adultos referentes tรชm a responsabilidade de observar o โconfortoโ de cada um dos seus membros na arquitetura dos relacionamentos geradores de identidades saudรกveis (orgรขnicas), abertas aos movimentos de aprendizagem contรญnua. Cabe a eles concentrar a sua atenรงรฃo nos sentimentos que nutrem essas relaรงรตes intrafamiliares, nem sempre traduzรญveis por meio de palavras. Sendo assim, assumir-se como parte integrante de uma famรญlia pressupรตe assumir a identidade que รฉ gestada por ela.
Nesse momento, nรฃo hรก como fugir da pergunta: o que a nossa identidade familiar comunica? Ou melhor, a comunicaรงรฃo รฉ um exercรญcio da identidade? Nรฃo รฉ incomum a existรชncia de uma distรขncia entre o conceito que temos da nossa famรญlia e o conceito que as pessoas que habitam o nosso entorno expressam, sobretudo na nossa ausรชncia, sobre ela. Diรกlogos, monรณlogos, gestos, entonaรงรตes, silรชncios, contam muito de cada um de nรณs e, por conseguinte, muito sobre o nรบcleo familiar do qual fazemos parte. Basta um tempo de convivรชncia e nos revelamos. As nossas aรงรตes mostram ao mundo que nos rodeia quem somos e, muitas vezes, distorcem os nossos discursos. Portanto, nรฃo hรก como negar que a forma como somos reconhecidos revela a nossa identidade.
Ampliar a consciรชncia sobre a importรขncia da identidade familiar para a construรงรฃo da identidade pessoal se faz fundamental diante da plasticidade na organizaรงรฃo das famรญlias nos dias de hoje. Por mais diferente que venha a ser cada constituiรงรฃo familiar, รฉ preciso que ela se assuma em seu formato, a fim de amparar aos seus integrantes. Hรก viรงo na famรญlia quando cada integrante, ao se perceber parte, consegue perceber o todo e, quando ao se reconhecer no outro, por meio das relaรงรตes, entende-se oscilando entre protagonista e coadjuvante de algo maior, mais nobre. Esse movimento confere sentido ร interdependรชncia, em torno da qual se concebe a essรชncia sรณcio-cultural da natureza humana. ร necessรกrio pertencer para ser humano! A famรญlia, em primeira instรขncia, รฉ responsรกvel pelo desenvolvimento da resistรชncia ร s frustraรงรตes, โanticorposโ que integram a identidade e permitem viver a singularidade da vida.
* Acedriana Vicente Vogel รฉ diretora pedagรณgica do Sistema Positivo de Ensino.