Qual coração não guarda seus segredos? Fantasias, desejos?
Ninguém adentra o íntimo de outrem – por isso o coração é terra que ninguém pisa, como bem expressa a sabedoria popular, que também admite que o coração é a morada do amor e dos sentimentos. Se ninguém pisa, não é só por ser impossível de se apoderar dele pela força, mas também por ser ilógico, imprevisível, pois todo o amor é uma amálgama de êxtase e sofrimento. Como nos versos da consagrada goiana Cora Coralina, “quis ser um dia jardineira de um coração. Nasceram espinhos e nos espinhos me feri.”
Na mesma toada, temos o poema da mineira Adélia Prado, ainda mais pungente: “o amor é a coisa mais alegre, o amor é a coisa mais triste, o amor é a coisa que mais quero.” A aceitação dessa alternância entre fases ditosas e frustrantes torna a vida mais leve. Rejeitar a tristeza ou o sofrimento é como rejeitar a própria condição humana.
Para mitigar as dores do coração é comum buscar racionalidade nas relações afetivas. Ou seja, chega a Dona Razão para tentar pôr ordem na casa, porém entre o cérebro e o coração cabe um oceano. Temos dentro de nós dois cães que se litigam todos os dias: um representa a emoção e o outro, a razão. Qual dos dois vence a briga? Aquele ao qual damos mais comida, por isso os dois precisam ser alimentados com porções iguais. O equilíbrio entre os sentimentos e a inteligência é a essência de uma vida de contentamento interior, o que requer disciplina pessoal, esforço e boas escolhas do nosso livre arbítrio.
Uma relação a dois será vitoriosa se igualmente ambos se predispuserem a dialogar, ceder e tolerar. As discordâncias fazem parte do cotidiano de um casal – afinal são dois seres oriundos de históricos familiar e individual diferentes, e cada um vem com suas crenças e escala de valores. Mas que prevaleçam a boa comunicação e a força dos bons argumentos. E se um entra em crise ou surta, o outro deve se conter, manter o equilíbrio, pois danoso para a relação é quando simultaneamente os dois entram em crise. Se os dois acham que têm razão, aí começa a tragédia – parafraseando Shakespeare.
Igualmente salutar é a prática da empatia, uma habilidade que se faz condizente quando se analisa a etimologia da palavra: do grego en (dentro) + pathos (sentimentos). Destarte, empatia significa dentro do sentimento do outro; colocar-se no lugar do outro, com interesse genuíno.
As maiores destruidoras de afetos não são as divergências, mesmo quando descambam para momentos de raiva, mas sim as mágoas. Por isso, bem vindas são as palavras do Apóstolo Paulo: “que não se ponha o sol sobre a vossa ira”.
Contraponto à solidez da consagrada expressão “até que a morte nos separe”, vivenciamos hoje uma maior fragilidade nos laços afetivos, baixos vínculos – que Zygmunt Bauman definiu como amores líquidos, e que, para ele, geram níveis de insegurança cada vez maiores. Mas também podemos constatar que os sentimentos são mais realistas, e com maior qualidade, enquanto duram.
Sendo os casamentos menos duráveis, um pai muito brincalhão diz que aconselhava a filha a antes de tudo preocupar-se não em arranjar um bom marido, mas um bom ex-marido, pois é ele que vai pagar a pensão; é ele que vai ajudar a criar os filhos. Também tem a galhofa daquele engenheiro que fazia a defesa do casamento com sua lógica própria: é tão bom que já estou no terceiro.
O amor teima em resistir à racionalidade. E ninguém prescrutou tão profundamente os labirintos da alma humana quanto Sigmund Freud, que afirma: “a grande questão que nunca foi respondida e para a qual eu ainda não tenho resposta, apesar dos meus trinta anos de pesquisa da alma feminina, é: o que deseja uma mulher?”
Em tempos de igualdade de gênero, concedamos às mulheres o mesmo direito a proclamar em alto e bom som: o que deseja um homem? Destarte, o amor existe para ser vivido e não compreendido.
Jacir J. Venturi, foi diretor de escolas, professor e/ou coordenador da UFPR, PUCPR, Universidade Positivo e autor do livro “Da Sabedoria Clássica à Popular (3ª edição)”. jacirventuri@hotmail.com