Um dos grandes problemas em escolas, principalmente nos dias atuais, em que todos os textos estão disponíveis na internet, é controlar o uso do recurso “copia e cola”, o plágio.
Aprender autoria significa aprender a pensar pela própria cabeça, ou seja, ler muitas fontes sobre determinado assunto, pensar um pouco sobre eles, e só então escrever, o que é sinônimo de entender aquilo que se leu, e “descobrir” o que ficou como verdade pessoal, soma não apenas destes mesmos textos, mas de toda a experiência de vida, outros textos, conversas, discussões, descobertas anteriores.
Tivemos recentemente um lamentável episódio protagonizado por um secretário da cultura (??), em que o discurso de um ministro nazista foi praticamente copiado e apresentado com cenografia compatível com aquela época nefasta, e causou reações que foram, saudavelmente, unânimes na condenação do despropósito culminando com a exoneração do cidadão.
Poderia ser uma ótima oportunidade de discutirmos apropriação intelectual, mas efetivamente ficamos surpresos com a motivação daquela performance, e as questões políticas dominaram as análises. O defenestrado declara-se dramaturgo e diretor de teatro, ainda que custe crer que alguém com o mínimo conhecimento nesta área ataque, como fez, de forma grosseira e descabida a atriz Fernanda Montenegro, uma das melhores atrizes brasileiras e também uma senhora que merece todo o respeito.
Mas, até para copiar um nazista é necessário saber ler e escrever, e surge a dúvida sobre o que pensou quando montou aquela farsa, se acreditava que ninguém perceberia a origem de “seu” discurso, se supunha que as massas se galvanizariam em seu entorno qual novo Mussolini ou, como aventou certo astrólogo de boca suja, se estava ruim da cabeça mesmo.
A verdade é que com tantas e tantas referências ao alcance de um clique, pessoas que estudam e leem pouco imaginam que este é o padrão para os demais, e sentem-se autorizados a uma apropriação do que encontram: palavras, encenações, imagens, absolutamente tudo, talvez esperando que eventuais leitores julguem serem deles os conteúdos.
Desde o começo do atual governo temos sido bombardeados por torrentes daquilo que um antigo governador carioca batizou de factoides, declarações estapafúrdias e provocativas que não guardam a mínima relação com a realidade ou com o bom senso, e que aparentemente destinam-se unicamente a manter o declarante em evidencia, além de distrair as atenções do que não se quer visto: velho truque de mágicos mambembes.
No entanto, aparentemente há método nesta comédia sinistra, a ideia deve ser testar limites constantemente com várias narrativas esdrúxulas: a terra é plana, o nazismo era de esquerda, a ditadura era tão boazinha, só foi torturado quem merecia, torturadores e carrascos foram heróis da pátria, e muitas outras. Mas no meio deste joio podre vem o trigo mais podre ainda que é realmente o que se pretende passar como verdade: a “mídia” atrapalha, as universidades são celeiros de maconha e maconheiros, os “comunistas” querem fazer arruaças para tomar o poder, a Amazônia é nossa para queimar e vender, livros tem palavras demais, intelectuais e pesquisadores são inúteis ao país; e todo o discurso da mendacidade populista.
Em tempos de reprodução de discursos, em tempos de bordões, de identificação sem reflexão, estas verdades são repetidas à exaustão, são slogans que caracterizam uma ideologia sem processo cognitivo. O desprezo pela ciência, o desconhecimento da cultura, a glorificação da violência e das armas, a desvalorização do saber acadêmico, tudo colabora para que a cópia seja melhor que a criação, que o amadurecimento e o trabalho intelectual sejam ignorados. A opinião prevalece sobre o conhecimento, o desejo sobre o justo, a mentira sobre a verdade.
O uso do plágio, além de desonestidade é autoengano, que cobrará seu preço e pode ser bem maior que uma simples demissão.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil. wcmc@mps.com.br