Antonio Djalma Braga Junior
O que um filósofo pode ensinar sobre Liderança na atualidade? Em tempos obscuros quando a Filosofia tem perdido espaço nos mais variados ambientes escolares, podemos nos surpreender com a importância e o destaque que ela vem ganhando no mundo dos negócios. Todavia, antes de respondermos a essa pergunta, se faz necessário entender o que é isso que chamamos de “atualidade”, sobretudo quando envolvemos o papel dos líderes e gestores no contexto dos modos de produção capitalista que a nossa sociedade está envolvida. Desse modo, é importante destacarmos que a Revolução Industrial e a forma como as tecnologias reconfiguraram nossa sociedade em seus mais variados aspectos sempre foram uns dos temas que inspiraram os filósofos (e demais estudiosos das ciências humanas e sociais).
Na primeira Revolução Industrial, ocorrida no século XVIII, tivemos a máquina a vapor alterando todo o cenário de produção, o consumo, as relações de trabalho, a cultura e a organização social e política dos países. Na segunda Revolução Industrial, no século XIX, a eletricidade e as linhas de produção foram as responsáveis pelas produções em massa de produtos nas fábricas, gerando, como consequência, um consumo em massa. A terceira Revolução Industrial, que teve seu início na década de 60, é marcada pelos grandes avanços que surgiram por meio da computação, da programação e das redes. Nesse sentido, as transformações que vivenciamos na atualidade demonstram o início de uma nova revolução na indústria, que está sendo chamada de quarta Revolução Industrial – ou apenas Revolução 4.0.
Como podemos perceber, toda vez que surge uma Revolução Industrial, a sociedade precisa ser reconfigurada para adequar-se às transformações que as indústrias provocam. É nessa lógica de pensamento que também chamamos a sociedade do nosso tempo de Sociedade 4.0, pois ela é fruto das transformações causadas pelos modos de produção e tecnologias que criam novas formas de vida e organização social.
Nesse novo cenário, a Inteligência Artificial, a Internet das Coisas, a robotização e a automatização provocarão a extinção de muitas profissões (estima-se que 35% das habilidades que os postos de trabalho do mercado atual possuem se tornarão obsoletas no prazo de até cinco anos), ao mesmo tempo que abrirá um leque imenso de novas oportunidades no mercado de trabalho. Ser um líder/gestor a partir dessas mudanças de paradigmas exigirá uma série de competências e habilidades específicas que serão fundamentais para se obter sucesso na Sociedade 4.0.
Ora, um dos princípios básicos da Filosofia (e do filósofo) é trabalhar com o questionamento, com a dúvida. Dessa forma, definimos que um dos seus principais objetivos é desenvolver o pensamento crítico, reflexivo, conectado com uma responsabilidade ética voltada para as relações humanas e, também, para as relações com toda a biosfera e com o Cosmos. Assim, a principal contribuição do filósofo em relação ao tema da liderança na sociedade 4.0 e de todas as transformações que vemos ocorrer seria exatamente a reflexão sobre: o que é ser um bom líder? Liderar para que e para quem? E, ainda, a ação de um bom líder será sempre boa, independente das ocasiões e dos contextos de exercício dessa liderança? Como liderar nesse contexto de uma Sociedade 4.0?
É por isso que, a despeito do que vemos acontecer no Brasil (uma desvalorização das Ciências Humanas e da Filosofia), o mundo está chamando a atenção para o fato de que a Filosofia desempenhará um papel central na reconfiguração dessa nova sociedade, pois ela é a Ciência Humana que melhor poderá auxiliar no processo de desenvolvimento de competências que são essenciais para as relações sociais e profissionais do futuro. Ao menos é isso que o relatório do Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum – WEF) propõe em seu “The Future of Jobs Report” (Relatório Futuro das Profissões), de 2018, quando defende algumas previsões de cenário mundial quando o assunto é o futuro do mercado de trabalho. Nesse relatório do WEF de 2018 são destacadas as competências necessárias que as pessoas deverão possuir para se manter no topo da excelência em seus empreendimentos. São elas: pensamento crítico; capacidade de resolver problemas complexos; inteligência socioemocional; capacidade de entender, ensinar, liderar e influenciar pessoas; dentre outras.
Como podemos perceber, a Filosofia desempenhará um papel central nessa sociedade do futuro porque ela é uma das Ciências Humanas que melhor consegue desenvolver essas competências necessárias. Mas, diante desse panorama, outro questionamento nos vêm à mente: como poderíamos desenvolver essas competências com o auxílio da Filosofia? Sabemos que o ato de filosofar é uma prerrogativa para o desenvolvimento dessas competências, mas como fazer isso com líderes que não são filósofos, ao contrário, são administradores, diretores, coordenadores, pais de família, influenciadores em seus círculos sociais, condomínios, empresas, etc.? Uma das formas de desenvolvermos essas competências no cidadão comum é oportunizando o contato não apenas com textos e obras filosóficas, mas com experiências filosóficas, com formações práticas de vivência em grupo que tenha uma abordagem filosófica. Para tanto, é preciso entender que a Filosofia, como mãe de todas as ciências (e de todas, a rainha) se faz no diálogo inter e transdisciplinar, na conversa com outras áreas do saber, como as Engenharias, as ciências de Tecnologia da Informação, as áreas biológicas, médicas, jurídicas, ambientais.
Sobre essa ideia de formação dos novos líderes, minha opinião é de que o desenvolvimento dessas competências é possível não apenas pela aquisição cognitiva de conhecimentos meramente teóricos (leitura de textos de Filosofia), mas sim a partir da criação de oportunidades de experiências e vivências reais que levem os líderes em formação a se conectar, inicialmente, com o seu próprio eu, por meio do autoconhecimento de suas dimensões física-biológica, emocional-afetiva, racional-inteligível e espiritual-transcendente (eu – Eu). Essa é uma forma do sujeito descobrir qual é o seu perfil de líder (seus pontos fortes e fracos) e, por isso, a pergunta fundamental que deve nortear essas experiências e vivências, neste primeiro momento, é: quem sou eu? Essa é uma pergunta milenarmente filosófica que favorece diretamente o desenvolvimento do pensamento crítico.
Uma vez que se tenha experimentado essa relação do eu com o Eu, se faz necessário que o líder em formação se questione, neste segundo momento, sobre o que ele deve fazer em relação aos outros que convivem com ele (na empresa, na família, nos círculos sociais), levando em consideração aspectos presentes em nossa sociedade, de maneira ética, criativa e inovadora. A pergunta filosófica que se apresenta como norte desta experiência é a pergunta da filosofia prática kantiana: que devo fazer em relação ao outro? Esse é o momento de estimular o desenvolvimento de competências socioemocionais que auxiliem na resolução de problemas complexos ligados aos relacionamentos interpessoais que experimentamos nos mais variados contextos sociais e diz respeito dessa relação do eu com o outro (eu-outro).
O terceiro momento da formação dos líderes do futuro por meio da Filosofia diz respeito à reflexão sobre o que se deve fazer em relação ao meio em que se vive e visa desenvolver competências voltadas para as questões eco ambientais e que favoreça a busca por soluções para o gerenciamento de pessoas e recursos de modo sustentável (financeira, social e ecologicamente). Neste momento, a reflexão filosófica kantiana é ampliada para as relações com o meio ambiente: o que devo fazer em relação ao meio? (eu-meio).
Para atender ao princípio do desenvolvimento integral desse novo tipo de líder, é necessário oportunizar experiências que proporcionem também um encontro do eu com a sua dimensão transcendental, buscando um sentido metafísico em nossa ação como líder, que parte de uma reflexão teleológica e questiona nosso propósito existencial a partir de outra pergunta filosófica kantiana: o que posso esperar? (do futuro, de Deus, dos Homens, da Natureza, de mim mesmo). Nesse sentido, tal questionamento deve proporcionar um encontro do eu com o Outro, entendendo esse Outro não necessariamente como um Deus (como o Deus cristão), mas como uma dimensão que está além dessas experiências do mundo físico, que leva-nos à uma conexão com o Cosmos, com a Natureza, ou um Arché, algo que se possa chamar de Outro, porque está fora de nós, não se confunde conosco mesmos, mas do qual fazemos parte. Para utilizarmos uma linguagem estoica: um “Todo” organizado do qual o “eu” faz parte.
O que pretendo demonstrar é que com questionamentos e experiências filosóficas desse tipo acredito que se possa estabelecer um processo formativo de competências fundamentais para a atuação desse líder do futuro, competências essas que devem dar conta não apenas de um sucesso do ponto de vista financeiro e produtivo, mas um sucesso perfeitamente possível do ponto de vista de alcançar uma felicidade real e duradoura por meio de uma mudança de paradigma em nosso modelo de gestão/liderança.
O WEF apresentou em seu relatório de 2018 o que essa Sociedade 4.0 vai exigir dos profissionais do futuro – e a Filosofia tem sido, cada vez mais, a ciência responsável por ser a grande guardiã dos conhecimentos necessários para um modelo eficiente de liderança. E aí, você está preparado para liderar em meio a todas essas mudanças da Sociedade 4.0?
*Antonio Djalma Braga Junior, filósofo e historiador. Doutor em Filosofia pela UFPR. Professor, palestrante, escritor, consultor e coordenador do curso de pós-graduação Lato Sensu Leadership and Self-knowledge Program da Universidade Positivo.