Paulo Arns da Cunha*
Um copo com água pela metade pode estar meio cheio ou meio vazio, depende do ponto de vista. Quem é da área de exatas, como eu, costuma ver os números com muita desconfiança – e sempre precisam de dados complementares para dar embasamento. Vou explicar.
Quando a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou o relatório Education at a Glance, uma reportagem pegou um recorte da pesquisa e comemorou o dado que mostra que, no Brasil, um diploma de nível superior pode significar um aumento de até 156% no salário. Com pós-graduação, é possível ter um rendimento mais de quatro vezes maior (350%) na comparação com quem só tem o Ensino Médio. Esses números são verdadeiros – e excelentes para as mais de duas mil Instituições de Ensino Superior espalhadas pelo país. O que a reportagem não apresentou é que esses números podem ser péssimos para o Brasil.
Por quê? Porque a média entre os países da OCDE é de um salário 40% maior para quem concluiu a graduação. A renda maior proporcionada pela escolaridade é uma prova de como a sociedade brasileira ainda é desestruturada e desigual. O Brasil é hoje um dos países da OCDE com o maior número de habitantes sem diploma do Ensino Médio (52% dos adultos) – e onde apenas 15% da população tem formação superior.
Pesquisadores de Educação usam um conceito da economia para explicar esse cenário: é o chamado signalling model, desenvolvido na década de 1970 pelo Nobel de economia canadense Michael Spence. Ao ter um diploma de Ensino Superior — algo que mais de 80% da população brasileira não tem — um jovem já apresenta um diferencial na hora da busca por um emprego. E o potencial de ganhos é ainda maior se ele cursou uma graduação em uma instituição vista como prestigiada pelo mercado de trabalho.
O Ensino Superior influencia gerações. Crianças com pelo menos um dos pais diplomado têm 60% de chances de chegar à universidade, probabilidade que cai para 15% quando os pais não completaram o Ensino Médio. E essa influência chega inclusive à saúde. Um homem de 25 anos que frequentou faculdade pode esperar viver quase oito anos mais do que seu par de pouca escolaridade. Entre as mulheres, a diferença é de 4,6 anos, segundo o relatório da OCDE.
Podemos dizer que, com a evolução da Educação a Distância (EAD) no Brasil, uma maior parcela da população conseguiu ter acesso a uma graduação, seja pelo custo mais baixo, menor barreira de distância ou, ainda, a possibilidade de conciliar o estudo com o trabalho. O Censo da Educação Superior do Ministério da Educação mostra que o acesso à graduação vem evoluindo: o número de alunos cursando o Ensino Superior no Brasil aumentou 44,6% entre 2008 e 2018. No ano passado, cerca de 8 milhões de pessoas estavam na faculdade (75%, em instituições privadas).
Estamos no caminho certo, mas ainda muito longe do ideal. Não nos deixemos enganar por números isolados. É preciso ver os dois lados da moeda e fazer comparações antes de começar a comemorar. E não adianta comparar a gente com nós mesmos. Por exemplo, ter um diploma e ganhar o dobro da média da população brasileira pode não representar muita coisa. Quem recebe mais que R$ 5.214 por mês já está entre os 10% mais ricos do Brasil. Isso é quase sete vezes mais do que a média do rendimento real de metade da população, que é de apenas R$ 754, segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (Pnad), do IBGE. Entre os países da OCDE, o rendimento médio mensal é equivalente a quase R$ 7 mil.
Esses são alguns exemplos de que o mesmo número pode ser bom ou ruim. Depende se você enxerga o copo meio cheio ou meio vazio.
*Paulo Arns da Cunha é diretor-executivo do Colégio Positivo.