Jeanfrank T. D. Sartori
“O maior perigo em tempos de turbulência não é a turbulência; é agir com a lógica do passado”. A afirmação é de Peter Drucker, famoso professor, escritor e consultor austríaco dedicado à temática de gestão e estratégia. E não poderia mais ser mais oportuna no momento de pandemia global que vivemos. Cair nesta armadilha destacada pelo autor guarda ainda uma deletéria relação com outra ameaça conhecida, mas muitas vezes desprezada: o senso comum.
O seu uso na tomada de decisão, tanto quanto a “lógica do passado” (tratar uma turbulência presente como fora feito àquelas de épocas anteriores, desprezando as diferenças), pode ser útil quando uma escolha precisa ser feita rapidamente, sem tempo hábil para pesquisas ou embasamento teórico formal, desde que as consequências e os riscos sejam mínimos ou moderados e que o decisor detenha conhecimento e experiência suficientes para legitimá-lo. Quando essas condições não estão presentes, há um grande perigo, de acordo com o sociólogo e professor americano Duncan Watts, na obra “Tudo é óbvio desde que você saiba a resposta: como o senso comum nos engana”.
E a atual crise do coronavírus nos priva de ao menos uma dessas condicionantes, uma vez que as consequências socioeconômicas são sabidamente graves. Primeiramente as mortes, que serão um trauma indelével para tantas centenas de milhares famílias mundo afora. A humanidade perdeu e perderá talentos em inúmeras áreas e infelizmente ficaremos tragicamente menores. Na esfera econômica, já não se discute se haverá ou não uma recessão global, mas sim a intensidade dela, o tempo de recuperação e as medidas que os governos podem tomar para ao menos minimizar seus impactos. No contexto nacional, esses fatores se agravam ainda mais, considerando nossos problemas estruturais, sociais e históricos que, infelizmente, reduzem nossa capacidade de combater o vírus e de reduzir os danos a serem causados pela crise econômica que se agiganta.
A “lógica do passado” e o senso comum são algumas das causas dessas nossas fragilidades frente à Covid-19, pois muitas decisões pregressas baseadas neles nos levaram ao nosso estado atual. E, ironicamente, são ao mesmo tempo os maiores perigos ao enfrentarmos a pandemia. Um exemplo claro disso se encontra na rotulação, pelo senso comum, de remédio A, B ou C como solução mágica, o que tem infelizmente sido cada vez mais comum nas redes sociais. “Fulano tomou e se curou”, afirmam entusiasticamente alguns, desprezando o fato de que outros igualmente se recuperaram mediante administração de outros medicamentos ou até mesmo sem qualquer tratamento, além dos eventuais riscos e efeitos colaterais. Outro erro pode estar em usar-se as estratégias adotadas em outras epidemias, como a do H1N1, ignorando diferenças importantes como a velocidade de contaminação, a letalidade e a pressão concentrada e contínua sobre o sistema de saúde.
Mas se nesse cenário essas não são as melhores ferramentas, a que podemos recorrer? A ciência e os dados se mostram caminhos mais viáveis, ajudando na proteção contra decisões equivocadas que, uma vez tomadas, podem custar muitas vidas e o futuro de nossa nação. Todavia, a ciência não é um biscoito da sorte. Seu arcabouço instrumental é pragmático e rigoroso, sendo essas as razões pelas quais suas conclusões são confiáveis quando as pesquisas que as baseiam são corretamente conduzidas. Mas sua aplicação exige tempo e condições adequadas.
A solução para problemas complexos como o que hoje enfrentamos não é trivial – envolve inclusive aspectos éticos e operacionais. Numa abordagem clássica para validação de um medicamento, seria necessário, por exemplo, dividir aleatoriamente um grupo de pacientes com situação e características equivalentes para administrá-lo a um grupo e placebo (substância sem efeitos no organismo) a outro, para então comparar estatisticamente os resultados. Mas como fazer isso em pacientes críticos que, por sua condição, são ao mesmo tempo os que mais necessitam de tratamento eficiente e aqueles mais suscetíveis ao óbito por falta ou inadequação deles?
Por essas razões, um foco maior na geração e na análise de dados talvez seja o caminho mais factível, dada a urgência e a gravidade da situação – especialmente no que concerne ao amplo monitoramento de infectados, não restrito apenas aos em tratamento hospitalar, mas estendido àqueles com sintomas leves e à população em geral, uma vez que grande parte da transmissão do vírus se dá por meio dos assintomáticos. Nisso corroboram os resultados de países que adotaram a testagem em massa e a própria recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), pois dá um importante instrumento de gestão da crise e de alocação de recursos escassos como respiradores e equipamentos de proteção individual
Mas é preciso rigor, padronização e confiabilidade, caso contrário, podemos tomar decisões erradas por estarem baseadas em informações imprecisas ou incompletas. E face à limitação de recursos, a amostragem probabilística, especialmente entre os assintomáticos, pode ser um recurso de grande valia, pois permite que uma quantidade menor de testes nos habilite a confiavelmente generalizar os resultados. Assim, a estatística e a informação se mostram poderosas ferramentas para a gestão e a tomada de decisão, ainda mais intensamente em momentos de turbulência.
*Jeanfrank T. D. Sartori, mestre em Gestão da Informação pela UFPR e especialista em Inteligência de Negócios, é consultor do Grupo Positivo.