Raquel Heep*
Não pode acabar e ficar tudo igual. Não pode, precisamos melhorar. O discurso raso de “que tudo ficará bem” não cabe mais. Precisamos, devemos e vamos superar, mas devemos sair dessa batalha melhores. Há uma dor silenciosa quando vemos um filho apenas por vídeo, quando seus pais são do grupo de risco ou quando familiares estão longe, com seu país no ápice da curva. Há uma ansiedade, uma angústia frente ao desconhecido – e realmente desconhecido inimigo. Uma ansiedade em relação ao futuro. E mesmo assim, há que se estar lutando. Por isso, repito: precisamos sair desse momento melhores! É o mínimo que o Universo nos pede. Vemos comerciais, apelos políticos (afinal estamos em ano de eleições) e, certamente, digo que muito compreensível – angústia de setores privados. Comércio, indústria, prestação de serviços etc… Não está fácil para ninguém. De verdade. Mas nenhuma vida compensa esse esforço.
Já vimos que o coronavírus não separa ministros, presidentes e idosos abandonados. Já chegou em crianças, profissionais de saúde e políticos. É um fato! Precisamos olhar o inimigo de frente. Ver suas armas. Ver suas fraquezas. E lutar! E, pelo comportamento viral (sou médica, mas não especialista nisso) vejo que manter o isolamento é fundamental. Vida (poderia ser sua mãe) não volta mais. Prejuízos e reorganizações econômico-governamentais se fazem. Primeira e Segunda Guerras mostraram isso. A Crise de 1929 reafirmou. Mas perder um ente querido por insuficiência do sistema, por relaxamento de medidas sociais simples, por pensar só no seu negócio…. jamais nos perdoaremos!
Enfim, um tempo de isolamento e sensação de perda de controle. Ninguém de nossa geração pensara passar por este momento. Parecia apenas filme de ficção. E hoje bate à nossa porta, causando, além da própria doença, de prejuízos econômicos a descompensação emocional. A ansiedade natural, nossa aliada em situações de perigo, passa a ser patológica. Crises de pânico, violência doméstica, abuso de álcool, insônia, depressão. A pandemia trouxe à tona também problemas psiquiátricos. E precisamos estar atentos também a isso. Cuidar de nosso bem-estar psíquico é fundamental para enfrentar a pandemia (que em nosso Brasil ainda não teve seu ápice) e as consequências dela: isolamento, desemprego, perda de entes queridos, entre tantos.
E qual deve ser a ação?! Ficar. Sossegar. Estar. Curtir. Observar. Pedir ajuda. Tratar. E mesmo fazendo tudo isso, teremos problemas? Claro! Somos novos nessa coisa de relações humanas. Somos novos sobre ficar só em família, estamos engatinhando em amar ao próximo, em solidariedade comunitária. Nossa parcela egoísta ainda é grande. Minha dor ainda é a maior de todas. Mas hoje o mundo dói. Mas estamos aqui para crescer. Evoluir. Ser mais a nós e aos próximos. E afinal não…. não queremos que tudo volte ao normal. Precisamos melhorar!
*Raquel Heep é médica psiquiatra e professora de Saúde Mental do curso de Medicina da Universidade Positivo (UP).