Profissionais da saúde e aqueles inseridos na modalidade de trabalho home office precisam atentar aos sintomas e, principalmente, às condutas para prevenção da doença
Entre os desafios impostos pela pandemia da COVID-19 estão a sobrecarga de trabalho e as angústias vividas pelos profissionais da saúde que estão na linha de frente do atendimento aos pacientes, e também está a necessidade de adaptação à modalidade home office das pessoas que tiveram sua rotina de trabalho alterada. Isso porque, de acordo com especialistas, trabalhar em casa pode gerar estresse, exaustão e insônia, alguns dos principais sintomas da Síndrome de Burnout – doença também conhecida como síndrome do esgotamento profissional e definida pelo psicólogo alemão Herbert Freudenberger como um acúmulo de estresse e exaustão relacionados ao trabalho.
Dados do International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR) apontam que 72% da população economicamente ativa do país possuíam altos níveis de estresse já em 2019. Desses, 32% desenvolveram Burnout, com sintomas físicos e psíquicos. O médico cooperado da Unimed Curitiba especialista em psiquiatria, Gustavo Sehnem, explica que o primeiro sinal da síndrome é um cansaço que persiste mesmo após dormir. “Normalmente a pessoa já acorda cansada e, ao acordar, tem dificuldade para se concentrar e lembrar-se de algumas coisas. Também é muito comum não conseguir terminar tarefas ou manter a atenção nelas por muito tempo”, explica.
O home office foi uma das medidas adotadas por muitas empresas para garantir o cumprimento das medidas sanitárias de isolamento e distanciamento físico no enfrentamento da pandemia provocada pelo novo coronavírus. No Brasil, seis em cada dez brasileiros aderiram ao regime no fim do mês de março, segundo pesquisa da Hibou, em parceria com a plataforma de dados Indico. Os índices também mostraram que um em cada quatro trabalhadores tem a sensação de estar trabalhando mais em casa.
Para o psiquiatra da Unimed Curitiba, o momento atual amplia a tensão e provoca alterações de humor e comportamento, e alerta: “É comum que a maioria das pessoas perceba apenas as consequências do estresse na saúde física, enquanto a piora na saúde mental tende a passar despercebida. Por isso, as pessoas devem ficar atentas aos sintomas como irritabilidade, explosões de raiva, crises de choro, baixa autoestima, desconfiança, isolamento, piora do humor, tristeza, impaciência, alienação e sensação de estar deprimido”.
Gustavo Sehnem explica que alguns sinais físicos de alerta para a Síndrome de Burnout são dores musculares e nas costas, enxaqueca ou dor de cabeça diária, problemas intestinais e baixa imunidade. “Em geral, os pacientes têm dificuldade para encontrar a origem desses problemas e podem começar a fazer uso frequente e indevido de medicamentos para controlá-los”, afirma.
Prevenção e ajuda
De acordo com a psicóloga da Unimed Curitiba, Jenima Prestes Vilches, uma mudança desta magnitude altera não apenas o cotidiano, mas as experiências e vivências emocionais e as referências em relação a estar emocionalmente bem. “É comum sentirmos medo de adoecer e das pessoas que amamos adoecerem nesses tempos de pandemia. Também é normal sermos impactados pelas limitações do isolamento e pelas incertezas e perdas, incluindo as financeiras. Por isso, para não adoecer são necessários alguns cuidados”, afirma. Segundo a psicóloga, para alcançar o bem-estar físico e emocional é fundamental fazer aquilo que esteja alinhado com suas preferências. “Meditar ou fazer uma aula de zumba pela internet, separar um tempo para leitura, cozinhar ou fazer algo que te motive e devolva a sensação de bem-estar”, exemplifica. Ela afirma que também é importante ter um momento para olhar para si e ver o que está sentindo, como estão os pensamentos, quais os fatores que geram mais angústias ou ansiedades, e que caminhos podem ser tomados para ajustar o que não está bem. “É tempo de cuidar de todos, principalmente de nós mesmos”, ressalta.
Para Jenima, outro ponto fundamental é perceber o que está causando angústia e sofrimento ou está atrapalhando o seguimento da rotina no trabalho, em casa ou nas relações, e avaliar se é possível dar conta de reorganizar sozinho ou se precisa de ajuda profissional. “O descontrole e aumento excessivo de medos, ansiedades, futuros imaginados, e alterações importantes de comportamentos e atitudes devem ser valorizadas como algo a ser cuidado. A nossa saúde mental é o carro-chefe da nossa vida. Se ela não estiver bem, coisas simples e possíveis podem se tornar inatingíveis e insuperáveis”, explica.
O psiquiatra Gustavo Sehnem afirma que ter uma boa relação com a profissão e ver os frutos do trabalho ajudam a minimizar as chances de adoecer. “É preciso ter uma relação aberta com a chefia e colocar o que incomoda para fora, pois reter emoções negativas faz com que organismo encontre uma maneira de colocá-la para fora na forma de doenças psicossomáticas. Além disso, é essencial, principalmente agora, que cada um busque simplificar a rotina, evitando trabalhos desnecessários. Quem se cobra muito, se frustra na mesma medida. Se for preciso, diga não e exclua um possível sentimento de culpa por não conseguir dar conta de tudo. O resultado dessa prática, porém, não é uma rotina repleta de satisfações, mas certamente será melhor para a saúde”, reforça.
Caso a pessoa perceba que a situação ameaça fugir do controle, o indicado é ter o acompanhamento e a orientação de um profissional que possa auxiliar na busca pelo reequilíbrio. “Ao perceber que as coisas fáceis de lidar começaram a ficar difíceis, quando for pesado levantar todos os dias e não encontrar sentido em começar a rotina, quando acordar cansado e se perceber sempre desanimado, é o momento de buscar ajuda psiquiátrica para o correto diagnóstico da doença. Posteriormente, a ajuda de um psicólogo também auxiliará no tratamento da Síndrome de Burnout”, reforça Jemina.
Profissionais da saúde
Os profissionais da saúde têm sido essenciais no combate ao novo coronavírus. Porém, ao mesmo tempo que esse devido reconhecimento resgata o valor destes profissionais e os tira do anonimato, traz uma grande sobrecarga de trabalho e exigências a uma área de atuação que sempre teve desafios e desgastes.
“O dia a dia é exaustivo. São longos períodos sem tomar água, comer ou ir ao banheiro. Horas paramentados com dor, calor, cansaço físico e mental”, descreve a médica intensivista Fernanda do Carmo de Stefani, cooperada da Unimed Curitiba e integrante da área de auditoria, que diariamente atende pacientes infectados com o novo coronavírus.
E esta é, certamente, a situação de muitos profissionais de saúde que estão na linha de frente da batalha contra a COVID-19. Segundo a médica, as dificuldades de comunicação entre a equipe, os movimentos mais lentos e a atenção redobrada com os colegas para evitar a quebra da barreira de isolamento – que pode acontecer com o deslocamento de um protetor facial ou uma porta aberta – aumentam o cansaço. “No princípio, parecia que iríamos dar conta, que estava tudo sob controle. As escalas estavam fechadas, as devidas reformas foram feitas nos setores e todos estavam preparados para enfrentar a doença. Sabíamos que não havia ninguém melhor do que nós, intensivistas e equipes multidisciplinares bem treinadas, para tomar fazer isso e colocar em prática o que aprendemos e estudamos exaustivamente nos últimos meses. Mas os dias passam, a rotina vai ficando mais puxada, os colegas vão se afastando por estarem com sintomas, as escalas dos profissionais vão ficando defasadas e todos começam a fazer um pouco da atividade que antes não lhes cabia. A limpeza do ambiente, a reposição das medicações, a mudança de decúbito do paciente, a coleta dos exames de laboratório. Tudo passa a ser parte da rotina de todos, independentemente da sua área de atuação”, conta Fernanda.
A intensivista atuou no atendimento ao primeiro paciente (e colega de trabalho) grave com COVID-19 confirmado e o primeiro a ter alta após 12 dias internado. “Como a família optou por compartilhar este momento em redes sociais e na TV, nós, que até então não tínhamos parado um segundo para pensar que também podemos nos admirar positivamente no meio da pandemia, fomos surpreendidos com choros de felicidade na porta do hospital e muito reconhecimento por parte de amigos, familiares e desconhecidos que acompanharam essa história. Posso afirmar com todas as letras que isto foi inspirador para toda a equipe”, revela.
O novo coronavírus também reinventou e mudou a rotina dos profissionais em aspectos mais singulares, como no contato com a família dos pacientes. Agora as ligações por vídeo fazem parte do dia a dia hospitalar. Os profissionais também estão mais atentos aos protocolos de uso dos equipamentos de proteção. “Medidas simples, como lavagem de mãos e utilização correta de EPIs, estão sendo vistas com outros olhos por toda a equipe. A magnitude do impacto é tão grande que será difícil voltarmos a praticar intubações orotraqueais sem protetores faciais, gorros, máscaras e aventais. Por último, eu não poderia deixar de mencionar que, neste momento, fica evidente como nós, profissionais da saúde, somos facilmente consumidos por nosso fascinante trabalho. Este momento, mais do que qualquer outro, está nos mostrando como devemos apreciar com maior frequência o conforto de nossos lares e os valores das nossas relações além das paredes dos hospitais”, conclui Fernanda.
E é neste contexto que os cuidados que sempre foram necessários com a saúde destes profissionais, hoje, tornaram-se urgentes. “A pandemia não os transformou em superheróis imbatíveis, imunes e incansáveis. Estar onde todo mundo tem medo de estar: frente a doença, a morte, o caos e o sofrimento, faz parte do trabalho e sempre esteve. Mas a proporção vivida atualmente é sem precedentes. É gente cuidando de gente, então saber delimitar as necessidades de cada um, o autocuidado e a valorização destas pessoas é fundamental”, reforça a psicóloga Jenima Vilches. andressa@nqm.com.br