Matéria do STF, julgada em abril, impede que psicólogos e terapeutas tratem a homossexualidade como doença; não há qualquer evidência científica que aponta a possibilidade de “transformar” homossexuais em heterossexuais
O Supremo Tribunal Federal (STF) impediu que o Conselho Federal de Psicologia permita que seus filiados ofereçam tratamento de reversão da homossexualidade, conhecido como cura gay.
Para a psiquiatra Alessandra Diehl, especialista em sexualidade, essa é uma medida sensata e necessária no Brasil, país que é líder de homofobia no mundo e que ainda precisa aprender a respeitar as diferenças. “Esse assunto, aliás, não deveria ser polêmico a ponto de ser levado ao STF para que advoguem para que se possa promover “a cura” de homossexuais. Cura para quê? Não existe cura para quem não está doente. Não há tratamento para a orientação sexual per se. O que podemos enquanto terapeutas é trabalhar de forma afirmativa sempre para que cada um sinta-se confortável com seus desejos e com seus afetos”, diz Alessandra.
A especialista acrescenta que a Organização Mundial da Saúde (OMS), lá em 1990, retirou a homossexualidade da lista de doenças, por se tratar de uma característica das pessoas e não de uma enfermidade. Só agora, 30 anos mais tarde, com a decisão do STF, o Brasil segue a mesma diretriz. A nova classificação internacional das doenças, na sua décima primeira versão, a CID 11, removeu todo o código F66, dirigido a transtornos psicológicos e comportamentais associados ao desenvolvimento sexual e sua orientação.
“A decisão do STF é uma ratificação do óbvio. Eles entenderam que aceitar que psicólogos promovam a terapia baseado na cura pode trazer grandes prejuízos para as pessoas que se identificam como gays, lésbicas e bissexuais. A homossexualidade não é considerada doença, perversão ou desvio de conduta ou caráter, e sim uma característica inerente a todos nós que varia dentro de um espectro de possibilidades. Hoje, quando falamos em diversidade sexual estamos falando das variações e possibilidades de direção dos nossos afetos amorosos e sexuais. Há também quem não queira transar, que não se sente atraído por ninguém sexualmente, que são os assexuais. Essa população também clama por visibilidade”, diz Alessandra.
A especialista em sexualidade toca em outra questão importante: os critérios da antiga CID 10, ao longo desses anos, teve pouco impacto na literatura científica. Na opinião dela, esse código tende a aumentar estigma e rotula as pessoas ao invés de oferecer alguma possibilidade de ajuda. “O que os psicólogos devem fazer não é promover a cura gay, porque isso não existe. Não há nenhum modelo hoje de psicoterápico ou medicamentoso de reconhecida evidência científica capaz de “transformar” pessoas homossexuais em heterossexuais. A homossexualidade assim como a heterossexualidade é inata. Muitos experimentos já foram feitos, inclusive muito iatrogênicos, para reverter a homossexualidade e hoje nós, psiquiatras, psicólogos e terapeutas, trabalhamos dentro de uma lógica da afirmação da sua orientação sexual. Nós temos que ajudar as pessoas a justamente a se encontrarem e serem felizes, se aceitando. Esse é o maior apoio dos profissionais da saúde para pessoas que se identificam com uma orientação diferente da grande maioria”, destaque Alessandra.
Homofobia dificulta o coming out
O process0 de coming out, que é sair do armário, deve ser natural para promover o bem-estar dessa população, na visão da especialista. Ela acredita que não “se arranca” ninguém do armário, afinal, isso é um processo. “Infelizmente, a homofobia tem um impacto muito negativo e devastador na vida de muitos gays, lésbicas e bissexuais, que vão, cada vez mais, se sentindo excluídos, achatados e invisíveis na sociedade. Em razão do preconceito, eles demoram para sair desse armário e se encontrarem no mundo como pessoa, como um ser digno com grande valor como qualquer outro cidadão. A homofobia interfere demais nessas questões e tem um impacto negativo na vida de gays, lésbicas e bissexuais”, alerta Alessandra.
A boa notícia, na visão da especialista, é que as novas gerações estão cada mais em busca da sua sexualidade e mais afirmativas quanto à orientação sexual. “Tenho visto essa questão não apenas dentro dos consultórios, mas também dentro das famílias, que estão lidando com essa situação de uma forma bem natural, em que o amor sempre vence, como deve ser”, finaliza.
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