Notícias falsas, notícias verdadeiras… / Por Wanda Camargo*

O protagonista de “1984”, de George Orwell, é ouvido pelos serviços de informação dizendo que “liberdade é o direito de afirmar que dois mais dois são quatro”. Preso como inconformista, é destruído física e mentalmente pelos torturadores do onipresente “Big Brother”; então, indagado quanto seriam dois mais dois responde com absoluta sinceridade “tanto quanto o Estado disser que são”, pela resposta redentora é considerado reabilitado. A questão toda nada tinha a ver com aritmética, sequer com nada racional, era de poder que se tratava, dominar corações e mentes até o ponto em que qualquer absurdo passa a ser real.

O dramaturgo Luigi Pirandello escreveu em 1917 uma peça chamada “Assim é (se lhe parece)”, é o caso de uma família que se muda para uma pequena cidade e é, aparentemente, disfuncional em relação aos hábitos locais. A população passa a se dedicar em tempo quase integral a bisbilhotar os “esquisitos”, suas ações e seus motivos, e não chega nunca a conclusões minimamente consensuais. É um estudo irônico da curiosidade humana colocada no aspecto patético, as pessoas abandonam seus interesses mais práticos para focar em algo que apenas marginalmente lhes diz respeito. E chegam a descobertas e opiniões variadas sobre os mesmos fatos, o que parece ser o tema da peça: a inexistência de verdades únicas, mesmo em questões simples.

Não há verdades únicas e absolutas no mundo real, talvez com a exceção relativa das verdades comprovadas cientificamente e, mesmo essas estão sempre sujeitas ao escrutínio eventual de novas descobertas. Mas os espíritos autoritários independentemente de sua cor ideológica baseiam-se sempre na crença, aplicável aos demais e talvez menos a eles mesmos, de que são os portadores da luz. E aí reside um dos maiores males de ditaduras, a negação do dissenso, da opinião diferente, do pensamento, a autoiluminação demente.

“A terra é plana”, “as eleições foram fraudadas”, “a covid-19 é uma gripezinha”, “cloroquina salva”, “distanciamento social não é necessário”. As declarações estapafúrdias se amontoam e acreditamos, queremos acreditar pelo menos, que seus autores não são tão néscios assim, há método nesta algaravia destinada a fazer seguidores e influenciar eleitores.

O princípio da liberdade de expressão é constitucional e indispensável para o verdadeiro Estado de Direito e o convívio civilizado; seu limite é a responsabilidade pelo que se fala, injúrias, calúnias e difamações não são aceitáveis de modo algum. O inquérito em curso pelo STF destina-se a investigar, também, a prática de disseminação de “Fake News” por recursos eletrônicos chamados “robôs” que possibilitam o envio da mesma postagem por milhares, até milhões, de vezes, a um custo elevado cujo financiamento está também sob investigação.

Isso não se constitui na legítima divulgação de opiniões, e sim em agressões e tentativas de intimidação de adversários ou simplesmente de divergentes; no mundo anterior à pandemia, a coletividade e a solidariedade vinham sendo substituídos paulatinamente pelo indivíduo e suas opiniões, num desprezo absoluto pela ciência e a comunidade.

A psicologia social analisa bem como nossa tendência a formar noções simplificadas para entendermos e sobrevivermos às complexidades da vida real e que aos poucos se tornam imunes às contradições, passam a ignorar as exceções e rejeitam inclusive a própria experiência.

Simplificar torna o ambiente reconhecível, elimina pormenores e assim nos permite adotar acriticamente as normas e valores vigentes, mas traz como consequência o medo do conhecimento.

Atribuir à autoridade constituída o ato de pensar, faz odiar os que pensam por si, ou seja, duvidam das atitudes e comportamentos que estão fundados no estereótipo, nas explicações dadas pelos “guias”, eliminam a necessidade de manter viva a percepção.

Toda criança é dependente do consenso de seus pais, tutores ou mesmo professores, e inicia sua vida em acordo com as exigências impostas dentro de seu círculo mais restrito, de onde extrai segurança, alimentos e os valores que nortearão suas vidas futuras. Escolas, como outras instituições que socializam são, portanto, junto com a família responsáveis pelas crenças que desenvolverão, e a educação para a maturidade, para a vida intelectual, poderá firmar autonomia e autodeterminação.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil. wcmc@mps.com.br

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